Vazamento de dados em concurso da Prefeitura de João Pessoa vira caso de polícia
Dados pessoais de diversos candidatos que estavam inscritos no concurso para educação da Prefeitura Municipal de João Pessoa, cujas provas aconteceram em junho, foram vazados equivocadamente em uma lista publicada pela organizadora do concurso e que circulou em grupos de concurseiros. É o que relatam três candidatos entrevistados pelo g1 e também pela banca realizadora do certame.
Um resultado preliminar da prova foi vazado na terça-feira (22), quando os candidatos começaram a relatar o problema. Naquela oportunidade, a banca já havia informado uma instabilidade no site durante o processo de divulgação dos resultados.
Porém, segundo candidatos que procuraram o g1 nesta sexta-feira (25), o problema se deu pois a lista que saiu durante a instabilidade continha o CPF, nome completo e locais de prova de todos os inscritos. Isso que fez com que, após o retorno do site, qualquer pessoa pudesse consultar o resultado de qualquer candidato, de posse destes CPFs, e a partir daí ter acesso ao caderno de respostas com a assinatura e a impressão digital dos candidatos.
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Em nota, o Idecan, informou que “uma planilha com informações que não são sensíveis - sobre os resultados do concurso de João Pessoa ficou acessível por um período equivocadamente”. A banca disse que o problema “já foi corrigido”, após “uma equipe técnica altamente qualificada” trabalhar para estabilização. A banca também informou que garante que o banco de dados está em total segurança.
O Idecan disse ainda que nas próximas horas serão publicados aditivos aos editais dos concursos, restabelecendo prazos para que os candidatos não sejam prejudicados.
A Prefeitura de João Pessoa informou por meio de nota que diante das alegações, cobrou respostas da banca e que a organizadora alegou a segurança do banco de dados, garantindo a isonomia do concurso. O órgão ainda informou que está “sempre atenta à fiscalização do serviço prestado pela Idecan” e que “ tranquiliza a todos interessados, garantindo a lisura e a segurança na realização dos certames".
A instabilidade no site e dados vazados
De posse do número do CPF, qualquer pessoa pode ter acesso ao caderno de resposta de qualquer candidato, com a assinatura e a impressão digital disponíveis
Reprodução feita pela equipe do g1
Uma candidata que fez o concurso da educação de João Pessoa e preferiu não se identificar, confirmou ao g1 que no dia previsto para a divulgação do resultado do concurso na última terça-feira (22), o site da banca organizadora teve instabilidade.
No entanto, ela disse que na mesma data recebeu em um grupo de concurseiros uma planilha, que seria dos candidatos aprovados na prova, com dados sigilosos. Ela conta que essa mesma planilha estava também no site do concurso.
“O site apresentou instabilidade no dia previsto para a divulgação do resultado. Com isso, alguns links foram se espalhando pelos grupos de WhatsApp de concurseiros, para ter acesso a tal resultado. Logo em seguida, começaram a surgir listas, com nossos nomes completos, CPFs, cargo, pontuação, turno da prova e local de prova. Foi quando o desespero começou a bater. Como meus dados estavam assim, por todos os lados, sem qualquer critério e/ou autorização pessoal para tal?”, comentou.
Resultado preliminar das provas do concurso da educação de João Pessoa é divulgado
Divulgação/Semed
A candidata disse ainda que entrou com todos os tipos de ocorrências após o ocorrido, fez Boletim de Ocorrência na Polícia Civil e entrou com denúncia na ouvidoria do Ministério Público da Paraíba (MPPB).
Ela explica que se sentiu muito prejudicada com os dados vazados, porque ficou sujeita à golpes, pois não tinha controle de quem tinha acesso a informações importantes que poderiam ser utilizadas por terceiros.
“Me sinto lesada em todos os sentidos. Financeiramente, porque realizar o concurso é um custo. Emocionalmente, porque estudamos com o objetivo de nos tornarmos instáveis financeiramente e vem uma palhaçada deste tipo, o que nos desregula bastante e nos faz desconfiar de todos os outros. E agora medo, meus dados estão passando por aí, digital, assinatura, CPF. Isso não existe”, comentou.
Com esse cenário, a candidata fala também que encarava o concurso como uma possibilidade de melhorar de vida e que isso era importante para os planos do futuro que ela traçava.
“O concurso, sem dúvidas, é uma busca por instabilidade financeira. Mas, também luto por serviços públicos de qualidade. Sem educação, não somos nada. Sem profissionais qualificados na educação, não podemos conscientizar uma geração futura. Vai além do dinheiro”, disse.
‘O maior dano foi psicológico’
Candidatos relatam problema
Reprodução/TV Cabo Branco
Também em entrevista para o g1, a segunda candidata, que também preferiu não se identificar, explicou que o mesmo aconteceu com ela. O acesso a possível lista de aprovados a partir dos grupos de WhatsApp para concurseiros e também com a planilha no site.
“Quando entrei em um grupo do WhatsApp, alguém tinha postado uma lista do resultado preliminar, uma lista em Excel. A abri, e me surpreendi pq ao invés de ter a lista por cargo e colocação, havia uma lista com todos participantes e todos os dados, desde CPF a escola que cada um tinha feito a prova. Procurei pelo meu nome e vi que também encontrava lá, meus dados”, explicou.
Essa candidata contou também que a partir dessa lista que tinha o número do CPF, pelo próprio site do Idecan, é possível consultar a página do participante com dados relativos ao concurso, a partir do número do documento.
“Não foi apenas o vazamento dos nossos CPFs, mas sim uma lista que contém os CPFs de qualquer uma pessoa, onde qualquer uma pessoa pode pegar e ir no site da Idecan e colocar o resultado, colocar o CPF de alguém e ver o resultado da pessoa e assim ter acesso, não só aos dados pessoais da pessoa como nome, CPF, escola que fez a prova, mas também a assinatura e a autenticação digital”, relatou.
Ela conta também que tudo isso gerou muita preocupação com ela, ressaltando que “o pior dano foi psicológico” e que em nenhum outro certame havia feito ela passar por tantos problemas assim. Inclusive, ressaltando não morar em João Pessoa e ter vindo de uma cidade do Sertão da Paraíba para realizar a prova, gerando um prejuízo financeiro também.
“Eu nunca vi isso, nunca fiz concurso na minha vida que fosse dessa forma, que aconteceu alguma coisa desse tipo, foi a primeira vez, e eu achei um absurdo completo, até porque foi na capital, são muitas vagas, são muitas pessoas que também vieram fazer esse concurso, que não são do estado, então acho uma falta de respeito, porque muita gente gastou muito para ir até a cidade”, ressaltou.
Ela explicou ainda que não fez Boletim de Ocorrência até o momento, mas por orientação da advogada pretende fazer, para se resguardar juridicamente.
Edital do concurso da educação de João Pessoa é divulgado com 403 vagas
‘Me senti desrespeitada e insegura’
Uma terceira candidata na qual o g1 entrevistou, que assim como as outras pediu para não ser identificada, explicou que assim como as outras duas candidatas, também teve acesso inicialmente a uma lista com os dados no WhatsApp e que, a partir dela, pelo site da banca organizadora, poderia consultar informações do concurso e outros dados pelo CPF que foi vazado em uma planilha.
“Vazou uma lista nas redes sociais, que consequentemente chegou aos grupos de WhatsApp de candidatos do concurso, um link para vermos o resultado, este link não constava no site oficial da banca, nele, bastava colocarmos nosso CPF, sem senha e víamos a nossa pontuação e se havíamos sido classificados para a próxima etapa. Minutos depois, começou a circular nos grupos, uma lista de resultados, nela era possível encontrarmos os nomes completos de todos os candidatos, CPF e nota da prova. Logo depois, surgiu outra lista, específica da disciplina de Português com a classificação por ordem de colocação de candidatos”, disse.
Sabrina contou ainda que a banca postou o cartão de respostas no mesmo dia que houve esse vazamento e que a consulta de documentos essenciais ficou exposta.
“A banca postou nosso cartão de respostas, para aferição do gabarito (o qual não pôde ser anotado na prova). E nos demos conta de que para acessar este documento, bastava digitar o CPF, sem senha, sem login. Neste cartão de resposta consta nossa impressão digital, nossa assinatura conforme documento de identidade, nosso nome completo e CPF, RG... Ou seja, qualquer pessoa pode acessar”, contou.
Em relação aos prejuízos que ela teve com esses dados vazados, ela explica que se sentiu “desrespeitada e insegura” com a situação, relatando também que sofreu uma tentativa de golpe que julga estar associada aos dados vazados.
“O estopim foi quando eu e outros colegas começamos a receber golpes e percebemos que era muita coincidência todos estarem recebendo no mesmo dia, logo após a noite anterior ao vazamento dos dados. Na manhã seguinte, eu recebi ligação de uma pessoa se passando pelo banco, o qual tenho conta, informando que havia sido feita uma compra no meu cartão de crédito de R$ 2.500, e que precisam que eu retornasse a ligação para eles resolverem o problema”, relatou.
Ela diz que não obedeceu o pedido do suspeito de golpe e que não retornou a ligação. A candidata fez um Boletim de Ocorrência, por orientação dos advogados, para também se resguardar juridicamente.
O que pode acontecer com o concurso?
VÍDEO: O que é a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)?
A advogada especialista em Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) Juliana Nóbrega explica que os dados não poderiam ter sido vazados em nenhuma situação e que isso pode acarretar diversos problemas para a organizadora.
“Independente da classificação dos dados, nenhum dado pessoal poderá ser divulgado ou compartilhado sem autorização do titular dos dados”, ressaltou.
A advogada também contou que há uma separação entre dados pessoais e dados pessoais sensíveis, em termos jurídicos.
“Dado pessoal é qualquer dado que eu consiga identificar uma pessoa de forma direta ou indireta. Dado pessoal sensível é qualquer dado pessoal relativo a posicionamento político, religioso e filosófico; dados biométricos/genéticos; dados sobre raça, etnia, orientação sexual, saúde”, diferencia.
Sobre as punições em si, a advogada disse que podem variar, conforme o que for apurado em investigação sobre o vazamento.
“(As punições) podem variar desde a advertência até o bloqueio do uso dos dados pessoais. Neste caso a responsabilidade poderá, após investigação criteriosa, ambas as entidades poderão ser responsabilizadas. O pagamento de multa não pode ser aplicável para entidades públicas, apenas privadas”, disse.
Ela explica ainda que sobre impugnação do resultado do concurso ou algo do tipo, não seria necessário pelo que existe de informações atualmente sobre o certame, ressaltando que a banca organizadora tem que, primeiro, investigar o vazamento dos dados.
Equipes do g1 e da TV Cabo Branco tentaram entrar em contato com o delegado da Polícia Civil João Ricardo, titular da Delegacia de Crimes Cibernéticos, que não deu uma resposta até a última atualização desta reportagem.
O concurso ofereceu 403 vagas, sendo a maioria delas para professor, mas também há oportunidades para psicólogo escolar, bibliotecário, pedagogo e assistente social escolar. O salário inicial é de R$ 4.567,31, com jornada de 40 horas semanais para todos os cargos.
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