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Caso Nayara Vilela: marido deve ir a júri popular por morte de cantora, decide Justiça


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O empresário Tarcísio Araújo da Mota, marido da cantora morta Nayara Vilela, deve ir a júri popular pela morte da esposa. A decisão é da Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Acre (TJ-AC), proferida na última terça-feira (18) em Rio Branco, e vem quase seis meses após recurso do Ministério Público (MP-AC), que questionou a última decisão da Justiça acreana sobre o caso.

O g1 entrou em contato com a defesa do empresário e aguarda retorno.

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👉Contexto: Nayara Vilela foi encontrada morta em casa na noite de 24 de abril de 2023 na Estrada das Placas, em Rio Branco. As investigações buscavam descobrir se a cantora foi instigada ao suicídio pelo marido ou se o crime se tratava de um feminicídio. O empresário foi denunciado pelo MP por feminicídio, violência doméstica e omissão em janeiro do ano passado.

Na declaração do MP sobre o recurso apresentado e aceito pela Justiça, a procuradora-geral Kátia Rejane disse que o ambiente que Nayara estava submetido contribuiu para que a artista tirasse a própria vida.

"O argumento de que Nayara já apresentava ansiedade ou depressão preexistentes ou histórico de tentativa de suicídio não exclui a responsabilidade penal nem afasta o nexo principal. Pelo contrário, importa a gravidade da conduta, pois o denunciado tinha ciência de sua vulnerabilidade e, mesmo assim, intensificou a violência psicológica", falou.

A procuradora falou ainda que Tarcísio apresentou 'desprezo' diante do sofrimento da esposa e que os vídeos periciados mostram que ele filmava a vítima sem fazer nada para impedir o suicídio.

"O histórico de violência doméstica anterior, o registro de boletins de ocorrência era de conhecimento do réu que, inicialmente, se apresentou como figura protetiva, mas, posteriormente, adotou comportamento controlador, abusivo e violento [...] o réu não apenas se absteve de intervir como também reforçou com palavras e atitudes a fatal decisão da vítima", frisou.

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Arquivo pessoal

Desdobramentos

Em maio deste ano, a Justiça havia decidido que não houve dolo no crime. Logo, não seria o caso de submetê-lo a júri popular. A decisão foi publicada no dia 30 daquele mês, 21 dias após a audiência de instrução do caso.

"Fica afastada a possibilidade de imputação ao réu a título de responsabilidade penal pela omissão, não sendo possível atribuir-lhe o resultado naturalístico da morte da vítima com fundamento no instituto do crime omissivo impróprio", destacou o magistrado Alesson Braz, na época.

Contudo, na denúncia do MP, o órgão destacou que o empresário agredia moralmente Nayara, "dizendo palavras ofensivas, tal como a chamando de 'louca', além de que tentava ter controle sob sua vida", e pediu que ele fosse a júri popular pelos crimes.

Para o MP, Tarcísio se omitiu na cautela da arma utilizada pela vítima, deixando a pistola municiada em local acessível e conhecido por ela, mesmo sabendo que a esposa sofria de transtornos psicológicos e já tinha tentando tirar a vida anteriormente.

Na época em que o MP disse que iria recorrer da decisão, o órgão pediu a aplicação do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Nayara Vilela foi achada morta em casa em abril de 2023

Divulgação

Relacionamento conturbado

Nayara e Tarcísio começaram a se relacionar em 2022 e ambos estavam terminando relacionamentos anteriores na época. Amigos, conhecidos, familiares e funcionários do casal relataram que as brigas entre eles eram constantes.

Os dois oficializaram a união em uma festa luxuosa cerca de um mês antes da morte da cantora.

Conforme a perícia feita nos telefones da vítima e do empresário, as brigas eram resultados do ciúme excessivo que Nayara tinha do marido. As confusões, constantemente, começavam com Nayara.

"A análise da dinâmica relacional entre o réu e a vítima revela um histórico de conflitos conjugais, marcados por episódios recorrentes de instabilidade emocional. Esse dado é relevante para demonstrar que, embora o relacionamento fosse conturbado, não se constatou nos autos, salvo o depoimento da mãe da vítima, elementos que indiquem que o réu mantivesse comportamentos instigadores ou provocadores", diz a decisão.

Horas antes da morte, Nayara teria iniciado mais uma briga com o marido por conta de ciúmes e se trancou no banheiro com uma pistola. Tarcísio gravou alguns vídeos, que viralizaram na época, mostrando a esposa no chão do cômodo chorando e ameaçando tirar a própria vida.

Ele chegou a fazer uma vídeochamada para a sogra na tentativa de acalmar a esposa e fazê-la largar a arma. Este fato, inclusive, foi importante para o juiz excluir o crime doloso.

"Muito embora, na gravação, o réu tenha adotado uma conduta que, isoladamente, poderia sugerir a configuração de dolo eventual, seu comportamento se modificou logo em seguida, ao possibilitar que a mãe estabelecesse contato com a vítima, permitindo que ela tentasse acalmá-la e intervir na situação. Esse comportamento evidencia que o réu não permaneceu inerte, tampouco assumiu conscientemente o risco do resultado, afastando, assim, a presença do dolo eventual", complementou o magistrado.

Porém, para a Justiça, longe de agir com frieza ou indiferença, o empresário 'reagiu com desespero à instabilidade emocional da vítima, afastando, assim, a possibilidade de que tenha agido com aceitação consciente do resultado'.

Ainda conforme a Justiça, a postura do empresário após a esposa se ferir reforça a inexistência de dolo. "Assim que a vítima efetuou o disparo, o réu acionou imediatamente os serviços de emergência, realizando chamadas ao 190 e, em seguida, ao Samu, na tentativa de preservar a vida da vítima. Esse comportamento demonstra uma reação imediata de socorro, que não se coaduna com a aceitação consciente do risco do resultado, afastando, assim, a presença do dolo eventual no caso concreto", argumentou.

Um dos pontos questionáveis pelo MP-AC no processo foi a suposta omissão do empresário ao estado emocional da esposa. "O réu tinha o dever legal de proteger a vítima, com quem era casado, e agiu com omissão ao negligenciar o estado de saúde mental da esposa, além de permitir que uma arma de fogo permanecesse acessível, mesmo sabendo do histórico de tentativas de suicídio", defendeu o órgão.

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Reprodução/photoartac

Ato reprovável

Ainda na decisão, o juiz Alesson Braz destacou que a atitude do empresário, 'ciente da instabilidade emocional da vítima e do fato de que ela se encontrava de posse de uma arma de fogo', optou por gravar um vídeo no qual, em vez de adotar postura de acolhimento ou de tentativa de contenção da situação, dirigiu-se à companheira com expressões de deboche e menosprezo, chamando-a, entre outros termos, de “donzelinha”.

"Trata-se de uma atitude que, sob qualquer perspectiva, revela-se extremamente reprovável, especialmente diante da delicadeza do quadro emocional da vítima e da gravidade do risco iminente. A conduta do réu, ao invés de buscar reduzir a tensão, contribuiu para a intensificação do estado de sofrimento psíquico da vítima naquele momento", disse.

O juiz frisou também que essa atitude de Tarcísio, marcada por palavras pejorativas e uma postura de indiferença, destoou do cuidado que o contexto exigia.

"Todavia, essa postura, embora criticável, não se confunde com a possibilidade fática concreta de evitar o resultado, que, naquela circunstância, era praticamente inexistente diante do risco iminente e do controle da situação pela própria vítima, especialmente porque não há dúvida, conforme demonstrado pelo vídeo, de que ela estava com a arma apontada para a própria cabeça", reafirmou.

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Audiência

Após mais de dois anos, a Justiça começou a ouvir no dia 8 de maio testemunhas e demais envolvidos no caso. A audiência de instrução durou três dias e ouviu cerca de 10 pessoas, entre profissionais da polícia, amigos, familiares e conhecidos do casal.

Tarcísio não compareceu presencialmente. No final da audiência, o MP-AC pediu que o empresário fosse pronunciado a júri popular pela morte da cantora e a defesa do réu solicitou prazo para apresentação das alegações finais por escrito.

As apurações do crime foram feitas pela Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher (Deam) com base nos vídeos divulgados nas redes sociais que mostraram uma discussão entre a cantora e o marido momentos antes da tragédia.

Inicialmente, o caso foi analisado pela Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), que descartou a hipótese de feminicídio. No entanto, diante de novos elementos, o inquérito foi encaminhado à Deam, que aprofundou as diligências e concluiu pelo indiciamento do marido da vítima

A cantora foi velada em Sena Madureira, interior do Acre, onde morava parte da família dela. A morte da artista causou comoção e amigos fizeram homenagens pelas redes sociais.

Em dezembro de 2023, a Polícia Civil indiciou o empresário pelo crime.

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