
CCJ da Câmara adia votação de projeto que equipara facções criminosas a grupos terroristas
A Comissão de Constituição e Justiça adiou a votação do projeto que equipara facções criminosas a grupos terroristas. Essa proposta de mudança legislativa recebeu nesta quarta-feira (5) críticas de especialistas.
A ação policial no Rio de Janeiro deixou ainda mais explícita a urgência para melhorar a lei contra facções criminosas e milícias. Na Câmara dos Deputados, há dois projetos aguardando votação.
O do governo, apelidado de PL Antifacção, cria na lei a figura da facção criminosa; passa a considerar hediondo o crime de organização criminosa qualificada; aumenta para até 30 anos de prisão a pena para integrantes e chefes de facções, integrantes que controlam territórios ou atividades econômicas, ou que se infiltram no setor público. Também cria instrumentos para sufocar financeiramente o crime organizado, como o uso de empresas fictícias para rastrear o dinheiro movimentado. Permite também manter delatores nas facções sob monitoramento policial e a gravação de conversas entre presos e advogados.
Esse projeto chegou à Câmara na segunda-feira (3) e ainda espera que o presidente da Casa, deputado Hugo Motta, do Republicanos, defina um relator. Ele disse à TV Globo que a escolha será feita até sexta-feira (7).
A oposição defende outro texto: o do deputado Danilo Forte, do União Brasil, que equipara atividades de facções e milícias ao crime de terrorismo. O projeto está na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.
“Se tem uma organização que faz recrutamento de pessoas, que fabrica armamento pesado, se impõe medo sitiando regiões, bairros, favelas, comunidades, cidades, se expulsa moradores de casa. Tudo isso são ações de terror. Porque as pessoas estão amedrontadas. E quando impõem medo sobre o coletivo, é ação de terrorismo”, diz Danilo Forte, autor do projeto antiterrorismo.
CCJ adia votação do projeto que equipara facções criminosas a grupo terroristas
Jornal Nacional/ Reprodução
O relator da CPI do Crime Organizado no Senado, Alessandro Vieira, do MDB, alertou que equiparar a atuação de facções ao terrorismo pode atrapalhar investigações que já existem nos estados e afirmou que é preciso endurecer as penas para as facções.
“Você tem que agravar as penas e você tem que ter processos rápidos e penas que sejam devidamente cumpridas. Se eu faço a migração pura e simples para um crime de atribuição federal, automaticamente esses processos serão retirados da tramitação atual - estadual, polícia civil, Ministério Público estadual, justiça estadual - e migrar para varas federais e atuação da Polícia Judiciária Federal, que é a Polícia Federal. Isso pode gerar um prejuízo imenso, porque estamos falando de estruturas que não estão prontas para isso, e um volume de dados que vai ser simplesmente desperdiçado”, diz Alessandro Vieira, relator da CPI do Crime Organizado.
Rafael Alcadipani, professor da Fundação Getúlio Vargas, também defendeu o aumento das penas como prevê o projeto antifacção:
“O objetivo é um só: é endurecer as penas para membros de facção, para faccionados, e facilitar a investigação, dar mais celeridade à investigação e também disponibilizar os ativos que forem pegos dessas organizações criminosas”.
A votação do projeto antiterrorismo na Comissão de Constituição e Justiça foi adiada duas vezes depois da articulação do governo, quer mais tempo para debater as consequências, entre elas a possibilidade de intervenção estrangeira no país.
O coordenador do curso de Relações Internacionais do Ibmec, Renato Galeno, explicou que existem vários componentes para definir organizações terroristas, incluindo a questão ideológica e política:
“Uma das principais características de um grupo terrorista é o fato de as pessoas serem altamente apaixonadas pela questão em si. Se for um grupo nacionalista, que tenha objetivos étnicos, de imposição de alguma forma de vida para sociedade como um todo, uma visão de mundo para sociedade como um todo, é muito diferente de um narcotraficante, que em grande medida tem como objetivo ganhar dinheiro. Ou seja, as motivações são diferentes. Com isso, as formas de combate - seja o combate direto policial, seja o combate de mais longo prazo da organização social - são muito diferentes, os tipos de ação que o Estado deve tomar”.
Galeno disse, ainda, ver riscos à soberania do Brasil e a investimentos de empresas estrangeiras:
“Caso o Estado brasileiro oficialmente afirmasse que há organizações terroristas que têm domínio territorial em parcelas significativas do Estado brasileiro, em grandes cidades como o Rio de Janeiro, esses investimentos se tornariam muito mais difíceis e, em alguns casos, seriam impedidos pelas próprias normas internas das grandes empresas internacionais. “Se um Estado determina a existência, dentro do seu próprio território, de grupos terroristas, ele cria as condições pra que outros países concedam uma aparência de legitimidade pra determinados tipos de sanção. Se você considera que tem um grupo assim, que tem domínio territorial em parte de um país, e até mesmo a associação desses indivíduos - entre aspas, terroristas - com alguns agentes do Estado, como forças policiais, forças políticas, determinadas empresas públicas, isso poderia gerar uma justificativa, uma aparência de legitimidade para ações contra o Estado brasileiro”.
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