Avião da Gol estava a 200 km/h quando bateu em carro na pista do Galeão
O Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) concluiu a apuração da colisão entre um avião da Gol e um veículo de serviço na pista do Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro, o Galeão, em fevereiro.
No relatório, os técnicos do Cenipa falam em desatenção da torre de controle do Galeão no episódio.
“O clima de informalidade excessiva, tolerância ao uso de celulares e conversas não operacionais revelou uma cultura grupal permissiva, que naturalizou comportamentos incompatíveis com a segurança operacional, favorecendo a repetição de erros e enfraquecendo as barreiras de defesa”, escreveu o Cenipa.
Relembre o acidente
Na noite de 11 de fevereiro, a aeronave — um Boeing 737-8 MAX com 103 passageiros e 6 tripulantes — atingiu uma picape que realizava manutenção no balizamento noturno e estava parada na Pista 10 no momento que o voo G3-1674, com destino a Fortaleza, iniciava a decolagem. O avião teve danos estruturais e o veículo ficou destruído. Duas pessoas que estavam no carro sofreram apenas ferimentos leves.
Ninguém no avião se feriu, e os pilotos conseguiram evitar uma tragédia maior graças a uma manobra abrupta ao avistarem o veículo a menos de 200 metros de distância.
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Carro atingido por avião no Galeão na terça-feira (11) ficou destruído
Reprodução
Erro humano e falha de vigilância
Os investigadores concluíram que a liberação indevida de decolagem por parte da torre foi o principal fator que levou à colisão.
Segundo o relatório final, o controlador de tráfego aéreo (ATCO) liberou a decolagem sem verificar visualmente se a pista estava desobstruída e desbloqueou o sistema eletrônico Tatic, que indicava interdição da pista, sem a confirmação da saída do veículo.
Além disso, o supervisor da torre — que, embora oficialmente fora de serviço naquele horário, ainda exercia atribuições funcionais — não percebeu a liberação indevida da pista porque estava mexendo no celular. A análise das imagens internas da torre mostra que ele estava com o aparelho nas mãos no momento da liberação da decolagem.
O relatório também identificou que a torre de controle do Galeão apresenta pontos cegos causados por vegetação, o que dificultava a visualização da Pista 10 à noite. As cadeiras da sala de controle também estavam abaixo da linha ideal de visão, o que comprometeu a vigilância.
Fuselagem do avião da Gol teve danos estruturais
Reprodução/Cenipa
‘Ambiente descontraído’
O próprio controlador que liberou a decolagem disse à comissão de investigação que havia sentido um “rebaixamento de atenção” por conta da baixa demanda de tráfego naquele momento e do ambiente descontraído na sala de controle.
O supervisor afirmou que já havia terminado seu turno, mas que continuava na torre finalizando anotações e acompanhando a movimentação do veículo por rádio. Disse ainda que, se estivesse oficialmente em serviço, sua “consciência situacional poderia estar mais elevada”.
Reprodução do Cenipa mostra que veículo de manutenção ficou sob a fuselagem da aeronave, entre o trem de pouso do nariz e o trem de pouso principal esquerdo
Reprodução/Cenipa
Pilotos desviaram em cima da hora
O relatório mostra que os pilotos só conseguiram ver o veículo quando estavam a cerca de 185 metros de distância, já em alta velocidade. Um dos tripulantes agiu com rapidez e desviou à direita, impedindo que o trem de pouso dianteiro atingisse o carro diretamente.
A manobra foi suficiente para que o veículo passasse por baixo da fuselagem, entre o trem de pouso do nariz e o principal esquerdo. Mesmo assim, o impacto causou danos ao sistema hidráulico, tubulações de combustível, carenagens da fuselagem e ao sistema de controle de flaps da aeronave.
Já a picape teve o teto amassado e arrastado.
Reação após o impacto
Após a colisão, o piloto abortou a decolagem e o avião parou cerca de 1 km depois do ponto de impacto. O plano de emergência do aeroporto foi ativado, e a evacuação dos passageiros ocorreu de forma controlada. O veículo de combate a incêndio chegou ao local cerca de 2 minutos após o chamado da torre.
Como prevê a legislação, o relatório do Cenipa não tem caráter punitivo e não aponta culpados individuais. O objetivo da investigação é prevenir novos acidentes por meio da identificação de falhas operacionais e de gestão.
O Cenipa emitiu uma série de recomendações de segurança à torre de controle do Galeão e ao órgão responsável pela gestão do espaço aéreo, como reforço em treinamentos, melhoria das condições ergonômicas da sala de controle e poda da vegetação que bloqueia a visibilidade da pista.
Cronologia do incidente
22h08min00s: Aeronave PS-GPP (Boeing 737-8 MAX), da Gol, inicia a corrida de decolagem na Pista 10 do Aeroporto do Galeão, com destino a Fortaleza.
22h08min17s: Veículo de manutenção do balizamento informa que vai deixar a pista pela taxiway (pista de serviço) CC.
22h08min32s: Ocorre a colisão entre a aeronave e o veículo, que ainda estava parado no centro da pista. Atingido a cerca de 300 km/h, prestes a levantar voo.
22h08min57s: Pilotos abortam a decolagem e informam à Torre de Controle (TWR-GL) sobre a presença do veículo. Não há resposta.
22h09min00s: Aeronave realiza parada total, cerca de 1.100 metros após o ponto de impacto.
22h09min14s: Pilotos confirmam a colisão e solicitam apoio.
22h10min13s: Um dos ocupantes do veículo, em estado de choque, comunica a colisão à torre e solicita o fechamento da pista e acionamento dos bombeiros.
22h11min13s: Supervisor informa que vai acionar o alarme de emergência.
22h11min40s: Alarme de emergência é oficialmente ativado.
22h15min07s e 22h35min05s: Controlador da torre e supervisor são substituídos.
22h38min00s: Evacuação completa da aeronave é finalizada.