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Cuíca-lanosa é flagrada comendo restos de presas em ninho de harpia pela 1ª vez


Cuíca-lanosa é flagrada comendo restos de presas em ninho de harpia pela 1ª vez

Em meio às copas de uma floresta em Mato Grosso, câmeras automáticas flagraram uma cena inusitada: uma cuíca-lanosa (Caluromys lanatus) visitando o ninho de uma harpia (Harpia harpyja) para se alimentar de restos de presas deixadas pela ave de rapina.

O registro, feito em Salto do Céu (MT), é o primeiro feito em fotos e vídeos desse comportamento entre a espécie. A pesquisa usou armadilhas fotográficas instaladas em um ninho da espécie e revelou que os marsupiais noturnos visitavam o local na ausência da ave para consumir carcaças de mamíferos deixadas no ninho.

Cuíca-lanosa registrada no ninho da harpia

João Pedro Machado e colaboradores

“Originalmente, estávamos estudando a dieta da harpia, mas nos surpreendemos ao observar a cuíca-lanosa ‘roubando’ restos de comida do ninho”, explica o biólogo Guilherme Siniciato Terra Garbino, professor da Universidade Federal de Viçosa (UFV), um dos autores do artigo publicado na revista Biotropica.

Segundo ele, a equipe ficou surpresa com o comportamento porque a espécie não costuma se alimentar de carniças, diferentemente de seu “parente” gambá-comum (Didelphis marsupialis).

As câmeras permaneceram ativas, fotografando 24 horas por dia, por quase um ano, gerando mais de 11 mil fotos e dezenas de vídeos. Nesse período, foram registradas três ocasiões em que a cuíca-lanosa se alimentou de restos de tatus levados pela harpia.

Harpia "dona" do ninho inadido pela cuíca

João Pedro Machado e colaboradores

“Já se sabe que a cuíca-lanosa é um animal onívoro, que tende a se alimentar muito de frutas. Ocasionalmente ela pode predar pequenos vertebrados, e já havia menção dela comer carcaças, mas nunca havia sido comprovado. Aqui, registramos pela primeira vez esse comportamento em fotos e vídeos”, detalha Garbino.

Ecologia e reciclagem de nutrientes

Apesar de serem animais predominantemente frugívoros e nectarívoros, as cuícas-lanosas demonstraram neste estudo a capacidade de aproveitar carniça quando disponível.

“O volume de carcaça consumida pela espécie foi muito pouco (três registros em um ano, mais ou menos), então parece ser algo mais oportuno e ocasional. Porém outros marsupiais maiores, como os gambás, certamente desempenham um papel importante como removedores de carcaças e cicladores de nutrientes”, afirma o pesquisador.

Cuíca-lanosa registrada no ninho da harpia

João Pedro Machado e colaboradores

Outros mamíferos observados

As câmeras também registraram a presença de outros animais próximos ao ninho, como iraras, saguis-de-rabo-preto, macacos-da-noite, esquilos e até outros marsupiais. No entanto, só a cuíca-lanosa foi flagrada consumindo carcaças.

“O papel dos marsupiais como removedores de carcaça é relevante, mas ainda subestimado. Eles ajudam a reciclar nutrientes e a manter o equilíbrio natural, assim como outros animais necrófagos. A ausência de grandes consumidores de carniça na copa das árvores pode ter favorecido esse comportamento oportunista”, completa.

O que vem pela frente

Para os cientistas, o achado reforça a importância de observar as interações pouco conhecidas entre espécies no ecossistema. O próximo passo, segundo Garbino, é expandir os experimentos.

“Acho que seria interessante fazer experimentos de remoção de carcaças (colocar carcaças e câmeras ao redor) e ver quais animais aparecem mais e primeiro. Suspeito que os marsupiais terão um papel importante nisso”, projeta.

O estudo contou com apoio da American Society of Mammalogists, que financiou parte das análises laboratoriais, e abre caminho para novas investigações sobre o papel ecológico de pequenos mamíferos na floresta.

Sobre a espécie

Cuíca-lanosa (Caluromys lanatus)

Omar Daniel Leon-Alvarado / iNaturalist

A cuíca-lanosa (Caluromys lanatus) é um marsupial de médio porte pertencente à família Didelphidae, encontrada desde a Colômbia e Venezuela até o norte da Argentina e o sul do Brasil, incluindo estados como Acre, Amazonas, Mato Grosso, Goiás, São Paulo e Rio Grande do Sul.

De hábitos noturnos, solitários e arborícolas, esse animal se movimenta com destreza entre as árvores, utilizando a cauda longa e preênsil como apoio. Mede entre 20 e 32 centímetros de corpo e até 44 centímetros de cauda, pesando entre 350 e 520 gramas. Sua pelagem é marrom-avermelhada com tons acinzentados, e o ventre apresenta coloração mais clara.

Uma faixa escura vai do focinho ao topo da cabeça, e há um anel marrom-avermelhado ao redor dos olhos. As fêmeas desenvolvem bolsa apenas quando estão carregando os filhotes, que nascem após gestação curta e em ninhadas de um a quatro indivíduos.

A espécie ocorre em três grandes biomas brasileiros (Amazônia, Cerrado e Mata Atlântica) e habita tanto florestas primárias quanto secundárias. É considerada “Menos Preocupante” (LC) na lista nacional do ICMBio e na Lista Vermelha da IUCN, embora sofra ameaças pontuais como perda de habitat por desmatamento, expansão agropecuária e atropelamentos.

Populações já foram registradas em diversas unidades de conservação, como os parques nacionais do Iguaçu, Jaú e Pico da Neblina, reforçando sua ampla distribuição e capacidade de adaptação a diferentes ecossistemas.

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