Da bicicleta ao carro voador: a revolução na China que atropela o Ocidente
A China, um país de contrastes e inovações aceleradas, redefine o futuro da mobilidade com tecnologias automotivas de ponta. De carros voadores a táxis autônomos, o "Código Chinês" explora como a nação se tornou uma potência global no setor automotivo.
Imagine um futuro onde você se desloca em carros voadores de um lado para o outro da cidade. Na China, essa visão já está em desenvolvimento. As turbinas começam a acelerar rapidamente, e "uau!", um carro que hoje chamamos de carro voador decola.
Mas essa não é a única novidade por aqui. Já pensou em um carro que pula quando vê um buraco? Ou um que vai de 0 a 100 km/h em apenas 3 segundos?
Há também um veículo que consegue fazer o retorno sem sair do lugar. Basta colocar o ângulo desejado para que ele gire 360 graus.
Para quem não gosta de fazer baliza, os problemas acabaram, pois a tecnologia chinesa oferece soluções.
Os carros chineses, que já foram vistos como cópias baratas, hoje ostentam tecnologia de ponta e são muito acessíveis.
Este episódio da série "O Código Chinês" é dedicado exclusivamente aos carros.
Ninguém está aqui para se gabar, mas quando Brasília estava sendo construída, o Brasil já tinha um milhão de carros que rodariam por essas ruas, projetadas especialmente para eles. Na China, quantos havia? Apenas um: o do líder supremo Mao Tsé-Tung.
Na verdade, nem ele possuía um carro. Havia alguns veículos de propriedade do Partido Comunista, usados pelos poderosos e para visitantes importantes.
Era uma outra China, uma época em que 30 milhões de pessoas morreram de fome.
O sonho de consumo de um chinês era a bicicleta Pombo Voador, fabricada pelo estado.
Ela era o maior símbolo de status, pois era preciso aprovação do patrão e do governo para comprá-la, e ainda se enfrentava anos na fila de espera.
Nos anos 1990, as ruas de Pequim ainda eram assim. Pessoas comuns só puderam comprar seu primeiro carro em 2003, quando o governo decidiu que, a partir daquele momento, todos teriam um carro.
Em 2025, a realidade é outra. Na Feira do Automóvel de Xangai, onde uma variedade de carros é apresentada, há hoje mais de cem marcas de carro na China, contra treze nos Estados Unidos.
Ao entrar em um desses carros chineses, a sensação é de muito conforto, com painéis gigantes que integram comandos, música, mapa e entretenimento. Muitos utilizam o carro como uma segunda casa, passando muito tempo nele. Há poltronas que, por exemplo, oferecem massagem.
A inovação por aqui não é brincadeira. Existem carros de pelúcia rosa, carros estilo Lego. Um carro de seis rodas surpreende: em seu bagageiro gigante, ele carrega um helicóptero de braços dobráveis, permitindo ao proprietário sair do veículo, embarcar no helicóptero e voar para onde quiser.
Mas como a China chegou a esse ponto? O governo chinês assinou um contrato milionário com uma montadora estrangeira, a General Motors, que iria produzir carros na China, mas metade da empresa seria de propriedade do governo.
Ronaldo Znidarsis, diretor de operações da Zeekr, que antes era executivo da GM, lembra que “todas as decisões eram negociadas.
Da cor do carpete até o modelo a ser colocado”. Houve muita discussão, mas o negócio deslanchou. “Você tinha colaboradores, trabalhadores vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana para construir a fábrica”, afirma Ronaldo. Ele acrescenta que “foi a planta até então mais rápida e com o menor orçamento já feito na história da GM”.
Assim, entre as bicicletas, começaram a aparecer os primeiros Buicks, o primeiro carro produzido em larga escala. Ainda assim, era muito caro para um chinês comum.
Por isso, o próprio governo começou a abrir suas fábricas, que inicialmente faziam, digamos, “homenagens” a carros fabricados em outros países.
Ronaldo Znidarsis explica que “eles atuaram por uma década como esponjas. Eles começaram a ter acesso a fornecedores internacionais. Eles localizaram muitos desses fornecedores na China. E gradativamente foram adquirindo a capacidade tecnológica. Treinando engenheiros. Treinando designers. Treinando administradores”.
Ele reflete sobre o erro de avaliação ocidental: “qual foi, na minha humilde opinião, o racional equivocado? Que nós sempre estaríamos à frente”.
A China superou a fase de apenas copiar e começou a apostar em designs exclusivos.
O grande salto foi a decisão de trocar os motores a combustão por motores elétricos. Ronaldo Znidarsis observa que “a China tomou uma decisão consciente, ela não tem os recursos de petróleo suficientes para a frota que ela tem e decidiu investir na eletricidade”.
A infraestrutura que a China construiu para suportar o crescimento dos carros elétricos é fenomenal: são 3,5 milhões de carregadores elétricos públicos e, juntando com os que as pessoas têm em casa, somam 11 milhões. Em comparação, os Estados Unidos têm 196 mil, e o Brasil, 12 mil. Além disso, a China conta com hidroelétricas gigantes para produzir cada vez mais energia.
Em Wuhan, uma cidade da qual todos já ouvimos falar, esses carros elétricos estão sendo testados como em um laboratório. Não tem como pensar em Wuhan e não lembrar da pandemia do coronavírus, cujo mercado, onde muitos especialistas acreditam que o vírus pulou de um animal para humanos, foi totalmente fechado e transferido. Mas isso não significa que Wuhan parou no tempo.
O novo mercado ainda vende sapos e tartarugas que vão para a panela. A China tradicional ainda está nas ruas com suas explosões, como a pipoca crocante, semelhante à de saquinho vermelho que comemos no Brasil.
Não muito longe dali, moram símbolos da China: os pandas vermelhos, ameaçados de extinção, que vivem no zoológico de Wuhan.
E a forma de chegar até lá também é inovadora: um trem que corre de cabeça para baixo e tem o chão panorâmico, parte de um grande projeto de revitalização da cidade devastada pela pandemia. Esse mesmo projeto fez com que fossem liberados ali primeiro 600 dos táxis mais modernos do país.
Jessica, uma estudante que às vezes chama um carro autônomo, explica o processo: “é esse carro!” Ela insere os quatro últimos dígitos do celular, a porta abre, e então diz: “eu só preciso falar e o táxi começa a andar”.
Jessica conta que, da primeira vez que pegou um carro sem motorista, estava com muito medo. O banco faz massagem, e ela comenta: “ele não vai muito rápido, então eu acho muito seguro!”. Jessica afirma que Wuhan se recuperou rapidamente da pandemia: “na verdade a gente já está melhor do que antes... você vê robôs na rua o tempo todo. Às vezes eles fazem um show pra gente. Muito simples, mas muito chique!”.
A empresa dona desses robotáxis comemorou este ano ter gasto vinte e sete mil dólares para produzir um desses veículos autônomos, enquanto seus "primos" americanos, que operam em cidades como São Francisco, custam cerca de duzentos mil dólares cada para serem produzidos.
A guerra das tarifas
Os carros chineses, tão baratos, tornaram-se um problema, deixando outros países de cabelo em pé. Os trabalhadores nas fábricas chinesas ganham de 3 a 6 dólares por dia, enquanto um trabalhador sindicalizado de montadoras americanas ganha 35 dólares, dez vezes mais. Muitas dessas fábricas de carros chineses são de propriedade do governo. Desde o começo, elas foram pensadas para fazer tudo internamente, desde a extração dos metais necessários da terra até a produção de chips, baterias e motores.
Stella Li, vice-presidente executiva da BYD, a maior montadora de carros chinesa, afirma: “nós produzimos muitos componentes na própria fábrica. Isso também nos ajuda a sempre inovar”.
Ela complementa: “nós emitimos 45 patentes de novas tecnologias por dia. Isso nos dá muita vantagem”. Essa é a grande diferença das fábricas nos Estados Unidos, que precisam importar de outros países grande parte das peças necessárias para entregar o carro pronto.
O carro mais barato da China custa trinta mil reais. Para se ter uma ideia, o carro mais barato no Brasil custa 75 mil reais, e nos Estados Unidos, 115 mil reais. Por isso, os carros foram o primeiro alvo do presidente americano Donald Trump.
Para um carro chinês ser vendido nos Estados Unidos, é preciso pagar 250% de tarifas, duas vezes e meia o valor do carro, resultando na ausência de carros elétricos chineses nas ruas americanas. Agora, o presidente americano quer fazer a mesma coisa com todos os produtos chineses.
Trump diz que a China trapaceou, copiando tudo o que os americanos inventavam, e que agora que estão bem, não vão vender nos Estados Unidos. Aqui começa um jogo de pôquer entre Estados Unidos e China. Virou uma mesa de apostas. Trump colocou 25% de tarifas, e a China respondeu. Quanto mais Trump aumentava, mais a China pagava para ver. Até o momento em que Trump colocou todas as fichas, equivalentes a 145% de tarifas sobre tudo o que entra nos Estados Unidos. Xi Jinping pagou para ver.
Mas tirou da manga uma carta que ninguém esperava: o super trunfo chinês, a carta dos ímãs. A China tem a maior reserva do mundo de neodímio, um dos metais que chamamos de terras raras. O metal existe em outros países, mas a China detém a tecnologia para transformá-lo em ímã. Não percebemos no dia a dia como eles são importantes, mas estão em quase todos os equipamentos eletrônicos. E são fundamentais para o tema desta reportagem.
Para ilustrar, imagine uma pilha como a bateria de um carro elétrico, e cabos de metal levando a energia às rodas, conectados ao eixo. Um elemento crucial é o ímã. O ímã cria um campo eletromagnético, e a roda começa a girar. Essa é uma representação muito básica de como funciona o motor de um carro elétrico, por isso a operação é tão silenciosa. Aquele carro super rápido que fez barulho no começo da reportagem, na verdade, tinha o som vindo de alto-falantes, um barulho de mentira, só para dar frio na barriga.
A carta na manga do presidente chinês Xi Jinping foi proibir a exportação desses ímãs para os Estados Unidos, o que levou as montadoras americanas ao pânico, pois as rodas de seus carros ficariam sem girar. Foi a carta dos ímãs que fez Donald Trump recuar e pausar as tarifas por 90 dias, e agora a aplicação foi adiada mais uma vez.
O futuro chinês atropela o ocidente
Enquanto isso, os chineses, que têm a maior reserva de ímãs e outros minérios raros do mundo, continuam avançando. A China produz hoje três vezes mais carros que os Estados Unidos, tem mais de um bilhão de consumidores, muitos que ainda não tiveram o primeiro carro. Com o mercado americano fechado, para onde os chineses estão exportando? Stella Li, da BYD, afirma que “o Brasil é muito importante para nossa estratégia global”. Essa empresa, a maior exportadora chinesa, comprou os maiores navios transportadores de carros do mundo, com capacidade para 7 mil carros, como grandes estacionamentos de shopping.
E Ronaldo, que trabalhava para uma montadora americana, hoje é diretor de uma grande montadora chinesa. Ele acredita que “eletrificação não tem volta. A China é uma prova disso. Dos trinta milhões de veículos vendidos no ano passado, mais da metade foram eletrificados”.
Na China, os carros elétricos estão subindo a outro patamar. Várias montadoras chinesas estão desenvolvendo carros voadores, buscando tirar os carros do chão. Um desses modelos será testado pela primeira vez no segundo semestre. O desafio é manter a segurança no ar com tantos carros autônomos voadores. Quem vai controlar o tráfego aéreo de carros? É o governo quem vai decidir.
Uma empresa, em parceria com o governo local, é a primeira a ter licença para operar na cidade de Cantão. Outras três montadoras que fabricam carros voadores também são de propriedade do governo. Por isso, elas têm a chance de tomar os céus antes de qualquer outro lugar do mundo. O plano é que em 2030, ou seja, em cinco anos, cem mil desses carros estejam voando pelos céus da China, fazendo entregas e levando passageiros. E que em 2050, qualquer chinês possa comprar um. Enquanto as tarifas americanas atrasam ainda mais a produção dos carros que rodam no chão, a ideia chinesa do futuro, com estratégia, hoje atropela o Ocidente.
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