Bauru rejeita estereótipo sertanejo e respira rock desde os anos 80
Prefeitura Municipal de Bauru/Divulgação
Localizada no centro-oeste paulista, Bauru (SP) teria todos os motivos para ter como seu principal estilo musical o sertanejo. Seja a distância da capital ou as tradicionais festas de rodeio da região, o município foi, por muito tempo, na contramão do estereótipo e conservou, desde os anos 1980, uma tradição rock n’ roll na cidade.
A cidade possui uma cena musical de rock ativa e antiga, com diversas bandas autorais e covers. Bauru abraçou festivais, lançou músicos para o Brasil e recebeu bandas famosas em locais considerados templos do estilo.
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O Armazén
Bauru rejeita estereótipo sertanejo e respira rock desde os anos 80
Instagram/Divulgação
O Armazén é o mais tradicional e mais antigo bar de rock de Bauru. Conhecido por todos, o bar atravessou gerações e mantém sua proposta: um local no centro que você vai para beber, conversar e, claro, ouvir o bom e velho rock n’ roll. O slogan do bar? “Desde 1980 Fazendo a cena Rock’n Roll de Bauru”. De fato, o mais conhecido da cidade rejeita estilos populares ou comerciais e viu muitas bandas surgirem ali.
O rock mudou a vida de muitas pessoas e também a visão de mundo, política e estilo. Em Bauru não foi diferente. No Armazén, as pessoas usam o famoso banheiro unissex, sem gênero, e o espaço inspirou uma geração a pegar uma guitarra, aprender a tocar um instrumento e fazer parte do movimento.
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Escola que ensinou gerações
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Instagram/Divulgação
Se Bauru tinha tantos locais para tocar e expor sua música, era natural ter uma escola que acompanhasse esse desenvolvimento. Uma das mais conhecidas e antigas escolas de música, a Guitarisma está há 25 anos no mesmo endereço, ensinando teoria musical, trazendo grandes músicos para workshops e promovendo as tradicionais apresentações de final de ano.
A contribuição que a escola trouxe e traz para a cidade musicalmente é incalculável. Inúmeros alunos foram formados ali, pessoas que sentem orgulho de terem passado pela escola e que guardam memórias com carinho.
O g1 conversou com Marcos Pópolo, figura conhecida no movimento em Bauru e dono da escola, que destaca a importância da Guitarisma na formação do movimento e das pessoas na cidade.
“A escola agora faz 25 anos, então eu acho que a gente tem uma contribuição valiosa, sim. Porque a gente formou muitos músicos que hoje são músicos da cidade, que tocam na noite. Formou professores, tem professores que aprenderam aqui, hoje são professores aqui ou em outras escolas. E ainda na parte do crescimento pessoal, que a música promove. Então, quantas pessoas ficaram muitos anos aqui, guardam com carinho a etapa na formação pessoal, no engrandecimento pessoal, uma coisa mais profunda até, que trazem essa formação musical que a gente ofereceu para as pessoas durante os anos."
Ao longo dos anos, o público que se matricula na escola mudou. O jovem de ontem é o pai de hoje que não conseguiu aprender no passado.
“Quando a gente começou, o grande público era o adolescente. Eram os adolescentes que queriam aprender a tocar numa banda, ter uma banda de rock, e era tipo 90% do público. Hoje não, hoje é tudo muito mesclado. A gente dá aula para várias faixas etárias, então tem adultos, tem crianças, tem pessoas mais velhas, faixa etária mais alta, e tem todo tipo, é mais mesclado", conta.
"O perfil aqui mudou muito em relação a isso. E uma coisa curiosa também, que não é nem uma coisa ruim, é uma mudança de perfil mesmo. Agora, outra coisa que mudou, é que muitos adolescentes daquela época hoje são adultos, e eles ainda querem tocar, eles procuram a escola. Às vezes foram alunos no passado, voltam, ou tinham vontade no passado de tocar, não puderam”, completa.
Jack, a renovação do público de rock em Bauru
Bauru rejeita estereótipo sertanejo e respira rock desde os anos 80
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Se o Armazén é reflexo de uma geração que se rebelou contra o sistema e buscava um local de encontro e identificação, o Jack ajudou a renovar o público de rock da cidade. Localizado relativamente perto de seu par, o Jack infelizmente encerrou suas atividades em 2025 mas não sem causar enorme comoção nas redes sociais.
Por muitos anos, o Jack trouxe bandas famosas do Brasil e até do mundo, organizou festas dançantes e abriu espaço para o rock mais comercial, algo impensável no Armazén. O Jack foi um local onde era possível levar até o amigo que não era roqueiro, mas que gostava do ambiente, tomava uma cerveja e, no fim, ouvia a música.
Caio Richieri, ex-proprietário do local, explicou por que o Jack é tão querido. Ele diz que, anteriormente, o público estava acostumado a ser maltratado ou não tinha opinião respeitada. Ele diz que o empreendimento conseguiu, ao longo dos anos, aprimorar sua própria maneira de atendê-los.
"Isso se tornou uma coisa tão bonita e tão prazerosa que você lê nos comentários que as pessoas se sentiam em casa. Ainda falando do impacto, eu acredito que nós cumprimos nosso papel e abrimos o caminho para que outros bares mesmo os mais antigos enxergassem as bandas de uma outra maneira, enxergassem o Autoral, enxergassem as bandas locais, não só as que já têm um espaço mas aquelas que ainda lutam por ele. Acredito muito que durante um bom tempo, quando as pessoas verem um tipo de banda ou uma novidade, vão dizer ‘ah seria legal se fosse no Jack’”.
O bar já recebeu diversos nomes renomados no cenário roqueiro nacional, como Fresno, Planta e Raiz, Gabriel Pensador, Cpm22, Forfun, Dead Fish, Sepultura, Angra, entre outros.
Cultura que inspira
A cultura de Bauru inspirou alguns moradores do município a seguirem carreira no rock. O bauruense Daniel Daibem, de 52 anos, é músico e radialista. Mora em São Paulo desde os 19, mas teve sua formação musical em Bauru, por meio de amigos mais velhos e frequentando locais de rock na cidade.
Hoje ele continua nos palcos e se destaca apresentando um famoso podcast em seu canal no YouTube, que já recebeu grandes nomes como Lobão e Amilton Godoy. Como convidado, participou de uma conversa com Kiko Loureiro no canal Amplifica.
Ao g1, ele comentou sobre Bauru e o Armazén, local de encontro da juventude da época, e como uma fita marcou sua vida:
“O Armazém era parada obrigatória porque era o que tinha, só que era muito bom o que tinha. Lá no 'Arma', o que eu não esqueço, tinha uma fita cassete, que era a playlist do Armazém, que era um lado A e um lado B, que se repetia a cada duas horas ali, entre os shows. E essa fita formou o repertório de muita gente, porque ela tinha desde um Doors, Love Me Two Times, aí uma outra ali do Doors, como tinha uma música do Frank Zappa, do Joe’s Garage, que eu até hoje não ouço, mas eu tô atrás dessa música, eu queria lembrar o nome pra escutar", relembra.
"A trilha sonora do Armazém era uma fita cassete, e era o suficiente pra nutrir a gente de um repertório muito vasto, que eu tenho certeza que educou muita gente que ouviu música nessa época lá, sacou? Mais ainda do que qualquer show que tenha rolado, essa fita é uma identidade, uma memória auditiva que eu tenho muito forte do Armazém."
Bauru rejeita estereótipo sertanejo e respira rock desde os anos 80
Arquivo pessoal/Divulgação
Sobre o impacto do estilo em sua vida, Daniel brinca dizendo que foi “picado” pelo rock quando criança, mas que em 1985 foi quando tudo mudou de vez:
“Desde pequenininho eu já tinha sido picado, mas de forma diversa, porque quando eu era criança, uma criança nos anos 1970, eu ouvia trilha de novela, ouvia de tudo, ouvia o que tocava no rádio [...] Mas picado mesmo, eu fui picado em outubro de 1985, quando eu peguei o jailbreak na casa de um amigo meu do ACDC, e aí sim, caminho sem volta, o Rock and Roll destruiu a minha vida, ainda bem”, ele brinca.
Bandas em festivais
O grupo Move Over se apresentou no programa SuperStar, da Globo, em 2014, e conquistou recorde de votos. Com 15 anos de estrada, a banda também marcou presença no Rock in Rio de 2015. A vocalista Dri Santana, também de Bauru, foi destaque no programa The Voice Brasil.
Outro nome importante da cena local é o grupo Samanah, que subiu ao palco do tradicional festival João Rock em 2015, após vencer um concurso de bandas promovido pelo evento.
Para fomentar o rock na cidade, Bauru também foi terreno fértil para grandes festivais. Desde 2005, o Festival Rock do Bem arrecadava brinquedos para distribuir às crianças carentes da cidade. Já o Vitória Rock promovia shows gratuitos desde o ano 2000, com material autoral e covers, aproximando o público da produção independente.
Até Cazuza se encantou por uma garota de Bauru
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Um dos principais nomes do rock nacional, em sua carreira solo, escreveu sobre uma garota de Bauru no disco lançado em 1989. Na música, Cazuza conta a história de uma jovem da cidade que vai a shows até tarde da noite, ignora o conceito tradicional de casamento e vive intensamente.
Reza a lenda que ele escreveu a canção após uma apresentação na cidade. Muito se comenta sobre quem teria inspirado a letra, mas até hoje ninguém assumiu ser a personagem. Ficou para Bauru o registro de um poeta em uma versão pouco conhecida pelo grande público, uma homenagem velada que eternizou a cidade no rock nacional.
Domingo é o Dia Mundial do Rock, celebrado com fãs de todas as idades
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