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Fraude no INSS: CNJ analisará caso de juiz que reconheceu ilegalidade de descontos, mas negou pedido de aposentado por valor ser baixo


Episódio aconteceu em cidade do interior do RN em 2024. Segunda instância reformou decisão do juiz da comarca de São Miguel. Entidade que fez o desconto indevido é uma das investigadas pela PF por esquema de desvios de pensões e aposentadorias. Plenário do Conselho Nacional de Justiça

Romulo Serpa/Agência CNJ

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vai analisar o caso de um juiz da comarca de São Miguel (RN) que negou o pedido liminar de um idoso de 84 anos para suspender descontos não autorizados na sua aposentadoria do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

🧑🏻‍⚖️O magistrado reconheceu a ilegalidade dos descontos, mas não viu a urgência necessária para acolher o pedido do aposentado sob o argumento de que os valores debitados eram baixos, os abatimentos aconteciam há "tempo considerável" e não havia "perigo de dano concreto".

O idoso de 84 anos vítima dos descontos sem autorização se chama Inácio Martins de Carvalho e é analfabeto.

💵Ele recebe uma aposentadoria no valor de um salário mínimo, R$ 1.412, e todos os meses era descontado em R$ 28,24 a título de uma contribuição para a Associação dos Aposentados e Pensionistas Nacional (AAPEN).

🔎A AAPEN está entre as associações investigadas pela Polícia Federal (PF) e pela Controladoria Geral da União (CGU) por fazer parte do “núcleo” do esquema de fraudes no INSS. Os desvios, que começaram em 2019, podem chegar a R$ 6,3 bilhões.

Os descontos na conta do aposentado começaram em abril de 2024 e só foram descobertos, porque o idoso começou a ser assistido pela filha em razão de problemas de saúde. A contribuição equivalia a 2% sobre o valor que o aposentado recebia todos os meses.

Na época, a AAPEN já figurava como ré em 600 ações judiciais nos tribunais de justiça do Rio Grande do Norte e de São Paulo por casos semelhantes.

“É absolutamente incontroverso que o autor desconhece totalmente a procedência dos descontos realizados pela associação requerida – e as circunstâncias indicam que ele de fato se trata de mais uma das milhares de vítimas que vieram a ter seus proventos de aposentadoria reduzidos em função de contratação sem sua anuência”, afirmou a defesa do aposentado.

'Ilícito, mas irrisório'

O juiz da vara única da Comarca de São Miguel (RN), Marco Antônio Mendes Ribeiro, negou o pedido de suspensão liminar dos descontos.

O magistrado entendeu que, apesar de ilícito, a contribuição não autorizada tinha um valor pequeno, o que não justificava a urgência de uma decisão de suspensão.

“Convenço-me de que o pleito realizado em sede de tutela de urgência pelo autor não merece prosperar, eis que o valor cobrado mensalmente pela parte ré, mesmo que, em tese, seja ilícito, é irrisório, de forma a não conseguir retirar a subsistência da parte promovente [o aposentado]”, afirmou.

Segundo o juiz, embora a situação fosse irregular, os descontos não apresentavam "um perigo de dano concreto".

“Além disso, há de se registrar a circunstância fática de que, em regra, esses abatimentos bancários ocorrem há um tempo considerável, o que também demonstra a ausência de perigo na demora do deferimento da liminar”, concluiu o juiz.

O g1 tentou contato com o magistrado por meio dos canais de atendimento da comarca de São Miguel, mas não teve retorno até a publicação desta reportagem.

Descontos continuaram

Depois de a liminar ser negada, a defesa recorreu ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte. Nesse intervalo, os descontos continuaram por mais sete meses.

Somente em março de 2025 a contribuição não autorizada foi suspensa pela segunda instância. O desembargador Luiz Alberto Dantas Filho concedeu a liminar e intimou a AAPEN.

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“Não me parece que a alegação de um desconto de baixo valor e um suposto consentimento no mencionado contrato seja suficiente para manter os descontos mês a mês, fato que ocasiona diminuição na renda familiar, causando sérios danos à parte agravante”, decidiu.

O caso ainda aguarda julgamento de mérito pela Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça.

Reclamação no CNJ

O caso rendeu uma reclamação disciplinar apresentada pela defesa do aposentado ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra o juiz da primeira instância.

Na peça, a defesa do argumenta que o magistrado Marco Antônio Mendes Ribeiro “desconhece a realidade” de pessoas de baixa renda e pede que a ação seja enviada a outro magistrado para uma análise imparcial do caso.

O relator do caso no CNJ é o corregedor nacional de Justiça, Mauro Campbell Marques.

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