
Tipificar traficante como terrorista muda o que?
O movimento de governadores para classificar grupos criminosos como “narcoterroristas” reacendeu o debate na segurança pública e levantou alertas jurídicos e diplomáticos. A proposta é vista por especialistas com potencial de causar mais danos do que resultados, como travar investigações e enfraquecer as polícias estaduais.
A preocupação é que enquadrar o Comando Vermelho e o PCC como grupos terroristas, o Brasil pode entrar em uma zona de risco diplomático e econômico.
“Se o crime for classificado como terrorismo, muda toda a competência. Os casos deixariam de ser julgados pela Justiça Estadual e passariam para a Justiça Federal. Isso pode travar investigações e enfraquecer o trabalho das polícias estaduais, que conhecem a realidade das facções", diz promotor Lincoln Gakiya, do Gaeco em São Paulo.
Para Maurício Diter, especialista em direito internacional, a proposta erra na origem.
“O crime de terrorismo é conceitualmente diferente. Pela lei brasileira, ele exige motivação política, ideológica, religiosa ou étnica. Já o tráfico de drogas tem objetivo econômico. Misturar isso é um equívoco técnico e jurídico.”
Para ele, o Brasil já tem instrumentos legais suficientes para enfrentar o crime organizado.
“Temos a Lei de Organizações Criminosas, a Lei de Drogas e a de Lavagem de Dinheiro. Todas permitem investigar e punir esses grupos. Criar uma categoria nova é desnecessário e pode gerar conflito entre as leis.”
Ele acrescenta que confundir esses conceitos pode até enfraquecer o combate.
“Quando se tenta colocar tudo sob o rótulo de terrorismo, você bagunça o sistema e atrapalha a cooperação entre as polícias e o Ministério Público.”
Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do MPPA.
Divulgação
Na prática, um risco jurídico
Gakiya reforça que o problema não é apenas de nomenclatura — é de consequência. Ele lembra que o Brasil não tem tradição em aplicar a Lei Antiterrorismo para o crime comum, e isso pode gerar interpretações confusas.
“O que precisamos é de estrutura, inteligência e integração entre as forças de segurança — não de mais leis que complicam o que já funciona.”
Uma solução aparente
Ao longo do episódio, tanto Diter quanto Gakiya apontam que a proposta de igualar facções a terroristas tem um apelo político, mas pouco efeito prático.
“É uma solução aparente. Parece forte, mas não resolve o problema de base”, diz Diter. “O Estado já tem como agir. O que falta é coordenação, não nova tipificação penal”, completa Gakiya.
Para eles, o perigo é transformar uma política de segurança em um gesto simbólico — que desvia a atenção das soluções reais.
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O podcast O Assunto é produzido por: Mônica Mariotti, Amanda Polato, Sarah Resende, Luiz Felipe Silva, Thiago Kaczuroski e Carlos Catelan. Apresentação: Natuza Nery.
O Assunto é o podcast diário produzido pelo g1, disponível em todas as plataformas de áudio e no YouTube. Desde a estreia, em agosto de 2019, o podcast O Assunto soma mais de 168 milhões de downloads em todas as plataformas de áudio. No YouTube, o podcast diário do g1 soma mais de 14,2 milhões de visualizações.

