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‘Inferno’, ‘medo’, ‘tiroteio o tempo todo’: moradores contam como é viver em áreas tomadas pelo crime organizado


Reféns do Comando Vermelho

Moradores relataram, ao Jornal Nacional, como é viver em comunidades dominadas pelo Comando Vermelho, como os bandidos impõem o medo e roubam das pessoas direitos básicos.

A cidade que dormiu com medo amanheceu acuada. Não teve o trânsito habitual da ida ao trabalho. Não teve aula em várias escolas. Não teve expediente em muitas empresas.

Um dos acessos à Vila Cruzeiro, comunidade que faz parte do Complexo da Penha: moradores vão, aos poucos, tentando sair de casa, retomar a rotina, mesmo no meio das marcas deixadas pela violência de terça-feira (28). Mas o clima é muito diferente de um dia normal. A maior parte do comércio não abriu as portas e, nas ruas, praticamente não há movimento.

Quem saiu de casa passava pelas carcaças de carros incendiados, usados como barricadas construídas por traficantes. A fachada do comércio que permaneceu fechado exibia o pedido que os moradores fazem há décadas.

O som dos tiros de terça-feira (28) deu lugar ao silêncio nesta quarta-feira (29). O morador que vive sob o efeito do medo, muitas vezes prefere se calar. A violência que é sentida na pele no dia a dia parece proibida de ser traduzida em palavras. Por áudio, e sem se identificar, alguns aceitaram relatar como é morar em regiões dominadas pelos bandidos do Comando Vermelho.

"Hoje em dia, é inviável morar nesse lugar porque é barricada para tudo quanto é lado, é boca de fumo em cada esquina. É muita gente passando com armamento de motos e carros. Tem umas ruas específicas que eles fazem de estacionamento de carros roubados. Tem muito trabalhador, muitas pessoas honestas, na sua maioria. Gostaria muito que a gente voltasse a ter paz, coisa que eu tinha há 40 anos atrás”, diz um morador do Complexo do Alemão.

Moradores contam como é viver em áreas tomadas pelo crime organizado

Jornal Nacional/ Reprodução

Situação que se repete em toda comunidade onde o crime tomou o lugar do Estado.

"Você não pode ficar nem no seu quintal, que é bala perdida. Você encontra munição no teu quintal, sabe? Está horrível hoje em dia viver lá. Não passa mais ônibus. Tiveram que mudar o itinerário para não passar, porque tem barricada, não pode passar ali. E lá a gente vive esse inferno, tá? Você vive com medo até para morador. É barricada na sua rua. É roubo dentro da sua casa, dentro do seu quintal. É tiroteio o tempo todo, todos os dias. Todos os dias, tiroteio. Todos os dias, tiroteio. E a gente vive nesse inferno”, conta uma moradora de Costa Barros.

Cidadãos sem escolha.

"A gente paga o gás muito caro porque o cara que vende gás tem que pagar uma taxa para eles. Os mototáxis lá pagam taxa. Se não paga um dia, se não paga em uma segunda, se paga na terça, é mais caro. E assim, a gente quer comprar o gás de fora, não pode, porque o gás de fora é mais barato, lá é o mais caro, entendeu? É complicado viver desse jeito porque a gente já não vive mais em paz”, relata uma moradora da Rocinha.

Reféns do medo.

"É viver com medo, viver de casa para o trabalho. Ninguém pode andar nas ruas, tudo cheio de barricada, entendeu? Tudo é horrível, sabia? Final de semana tem que ficar em casa, não pode sair. Aqui em São Gonçalo é tudo cheio de barricada”, diz um morador de São Gonçalo.

Quem tem os direitos desrespeitados todos os dias também tem sugestões do que é preciso fazer para mudar.

"O que precisa é ter uma ação dentro das comunidades, onde os jovens, as crianças e os adultos tenham uma perspectiva de vida diferente de querer ser bandido. Precisam que o poder público entre nessas comunidades e faça eles terem uma perspectiva de ser um grande empresário, de ser um técnico de informática, de ser um músico, de ser um atleta, de ser alguém na vida de uma maneira honesta”, diz um morador da Cidade de Deus.

Moradores contam como é viver em áreas tomadas pelo crime organizado

Jornal Nacional/ Reprodução

O professor Ricardo Balestreri, especialista em segurança pública, afirma que é preciso combater o poder econômico das facções e levar segurança, serviços e oportunidades para a população das comunidades:

"Tem que começar atacando o crime por cima. O crime tem a sua cabeça na cobertura, e não no térreo. O que que significa isso? Nós temos que interromper os fluxos econômicos, cortar as artérias por onde passam o dinheiro e onde passam os produtos. Porque é isso tudo o que financia a atividade criminal relacionada à droga nesses territórios. Isso tudo é o que compra as armas, por exemplo, que circulam nesses territórios. Agora, especificamente a maneira de resolver a questão territorial, passa por uma retomada do território. E a retomada do território tem que ser feita com uma polícia não invasiva, uma polícia de proximidade, que entra para ficar, entra para permanecer, que tenha relações com a comunidade, que tenha uma caminhada de construção da segurança pública junto com os moradores. E, além de tudo, o Estado tem que oferecer oportunidades de uma vida mais digna para as pessoas, o que nós chamamos de urbanismo social".

Mesmo quando o medo de se expor fala mais alto, a comunidade se expressa com imagens que dizem tudo.

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