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Mais de dez anos depois, STF reconhece responsabilidade do Estado do Paraná por danos a vítimas do 29 de abril


O policial que virou educador após presenciar violência contra professores em 1988 e protestou ao lado deles em 2015

O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a responsabilidade do Estado do Paraná por danos causados por agentes policiais a vítimas durante a "Operação Centro Cívico", realizada em 29 de abril de 2015, em Curitiba, durante uma manifestação de professores e servidores públicos estaduais.

A decisão foi tomada pelo plenário na terça-feira (29), mais de dez anos depois do conflito. Cabe recurso por parte do Estado do Paraná, que informou que vai esperar a publicação do acórdão para entender o alcance da decisão.

Na operação, mais de 200 pessoas ficaram feridas após a Polícia Militar (PM) usar bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo, balas de borracha, spray de pimenta, jatos de água e outros recursos contra os servidores estaduais que se manifestavam em frente à Assembleia Legislativa do Paraná (Alep). O protesto era contra um projeto de lei que previa a retirada de dinheiro de um fundo de previdência dos servidores estaduais para pagar dívidas do Estado.

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Na decisão, o STF decidiu que, para não pagar indenização a manifestantes feridos pela operação, o Estado do Paraná deve comprovar, caso a caso, que as vítimas provocaram a ação dos policiais. A decisão contraria o entendimento anterior do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), que havia estabelecido que caberia às vítimas provar que não tiveram culpa pela atuação dos agentes.

O relator do recurso, ministro Flávio Dino, destacou que a conduta dos manifestantes não era ilegal, pois a Constituição protege o direito de manifestação e de reunião pacífica, sem armas, em locais abertos ao público.

Conforme o ministro, o Estado tem meios de documentar os casos em que houve excesso por parte de manifestantes.

Segundo Dino, para reconhecer a culpa do manifestante, é preciso verificar caso a caso, sem inversão do ônus da prova, ou seja, o Estado é quem deve provar que o uso da força foi legitimado por uma conduta anterior.

Mais de 60 ações que tratavam sobre o assunto estavam com a tramitação congelada, aguardando a decisão do STF. Com isso, se confirmada, os processos voltam a tramitar.

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Giuliano Gomes/PR Press

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Por que o caso chegou ao STF?

Depois do confronto, muitas pessoas que foram atingidas durante a ação da PM processaram o Estado do Paraná na Justiça comum.

Com um alto volume de processos tratando do mesmo tema, o Tribunal de Justiça do Paraná entendeu que a situação se tratava de um Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) – quando casos com um mesmo tipo de problema precisam ter uma interpretação e aplicação única da lei, evitando decisões divergentes e redundantes em processos paralelos.

Após a criação de uma tese pelo TJPR, o Ministério Público do Paraná (MP-PR) recorreu e os casos foram levados à Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal em 2018.

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RPC

Antes de a questão chegar ao STF, um Inquérito Policial Militar (IPM) avaliou, em 2016, a atuação dos policiais na manifestação. Neste processo administrativo, a investigação foi arquivada com a conclusão de que os agentes estavam no cumprimento do dever legal.

Na esfera judicial, porém, desembargadores da 1ª Seção Cível da Justiça do Paraná concluíram que o fato de o IPM ter sido arquivado não significava que as ações pedindo indenização deveriam ser extintas.

Em 2017, os magistrados entenderam que o inquérito administrativo da PM analisou a responsabilidade dos policiais, enquanto as ações de indenização cobram a responsabilidade civil do Estado de reparar danos causados a terceiros.

Ainda na avaliação dos desembargadores, o Estado tem responsabilidade pelos atos praticados pelos policiais durante a manifestação.

Na decisão, houve uma condicionante para que o entendimento deles fosse aplicado aos casos em que as vítimas comprovassem inocência, que não estavam participando das manifestações e "que não deram causa à reação do agente", ou seja, não provocaram o confronto.

Depois disso, o Ministério Público do Paraná recorreu afirmando que, apesar de os policiais militares envolvidos na situação estarem exercendo os seus trabalhos durante a manifestação, isso não elimina o dever do Estado do Paraná em eventualmente indenizar os danos causados pela conduta dos agentes, independentemente se as vítimas não tinham relação com o protesto ou eram manifestantes "no exercício regular do direito constitucional".

Com o recurso, o caso foi levado ao STF.

Relembre o confronto entre polícia e professores

Bomba atirada pela polícia explode ao lado de um manifestante durante ação da polícia para dispersar o protesto em Curitiba (PR)

Daniel Castellano/Agência Gazeta do Povo

No fim de abril de 2015, enquanto os deputados estaduais votavam o projeto de lei de mudanças na previdência dos funcionários públicos, manifestantes tentaram ultrapassar a barreira humana feita por Policiais Militares para poder acompanhar a sessão da Assembleia Legislativa do Paraná. Na ocasião, a polícia recebeu ordem para avançar sobre os manifestantes.

Foram cerca de duas horas de conflito, com uso de bombas de efeito moral, spray de pimenta, tiros de balas de borracha, gás lacrimogêneo e um blindado com canhão de água.

Professores disseram que o que aconteceu no local foi um "massacre" e uma "covardia tremenda".

Na época, o Governo do Estado lamentou o confronto e justificou afirmando que a Polícia Militar reagiu à ação de manifestantes que tentaram romper a área de proteção, pulando as cercas e indo de encontro à barreira policial.

Além disso, atribuiu a responsabilidade pelos atos que causaram a escalada do conflito a pessoas "estranhas ao movimento dos servidores estaduais" – um inquérito do Ministério Público que apurou a participação de grupos "black blocs" na manifestação foi arquivado sem identificar nenhum suspeito.

Manifestantes e Tropa de Choque entraram em confronto

Giuliano Gomes/Agência PRPRESS

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