
Golpe do falso advogado: quadrilhas usam dados reais da Justiça para roubar vítimas
A Polícia Civil do Rio Grande do Sul revelou um esquema nacional de venda de logins e senhas de advogados para criminosos que aplicavam o chamado “golpe do falso advogado”.
Investigação mostrou como golpistas acessavam processos e documentos, muitas vezes sigilosos, de casos abertos na justiça. O acesso às contas permitia a golpistas entrar em sistemas eletrônicos, consultar processos reais e usar informações para enganar vítimas em busca de indenizações ou benefícios.
Segundo a polícia, os golpistas usavam esses dados para criar perfis falsos de advogados e enviar mensagens com documentos reais dos processos, dando aparência de legitimidade às fraudes.
A operação policial prendeu em julho deste ano Henrique Vargas da Silva, de 29 anos, conhecido como Oliver, em Vila Velha (ES). Ele é apontado como o principal fornecedor de logins e senhas de advogados a golpistas de todo o país.
Golpistas têm acesso a diversos documentos de advogados e clientes.
Reprodução/TV Globo/Fantástico
Segundo a investigação, Henrique administrava uma plataforma clandestina de busca de dados jurídicos, oferecendo pacotes de acesso a diferentes sistemas, inclusive do Supremo Tribunal Federal (STF), Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
“Ele tinha um catálogo de serviço que ele oferecia aos seus clientes, como por exemplo, consulta, logins de advogados, falsificação de documentos, inclusive documentos físicos e virtuais”, explicou o delegado João Vitor M. Herédia.
A operação que prendeu Henrique, prendeu também outras nove pessoas. O Fantástico não conseguiu contato com a defesa de Henrique Vargas da Silva.
As senhas roubadas eram repassadas em fóruns de hackers e aplicativos de mensagens. Com isso, os golpistas conseguiam baixar procurações, comprovantes e petições originais, que depois eram usados para convencer vítimas de que o contato era legítimo.
Golpe milionário e estrutura profissional
Segundo a polícia, o esquema movimentou milhões de reais e abastecia facções criminosas.
“Ou os integrantes da facção praticavam o golpe diretamente, ou lucravam com a venda desses acessos”, afirmou o delegado Thiago Boeing.
Os criminosos se passavam por advogados, faziam contato com aposentados e trabalhadores que aguardavam decisões judiciais e pediam transferências sob o pretexto de custas ou taxas processuais.
Em alguns casos, os golpistas chegaram a simular audiências online e clonar vozes de advogados com inteligência artificial, aumentando a capacidade de persuasão.
Advogados também foram vítimas
A advogada Leandra Wichmann, que teve a identidade usada em um dos golpes, conta que ficou surpresa ao descobrir que os criminosos haviam acessado processos reais em seu nome.
“Eles fizeram prints da procuração e mostraram para a cliente um comprovante falso com meus dados bancários. Era uma conta falsa, mas com tudo muito bem feito”, contou
A fraude levou uma das clientes de Leandra, uma aposentada de Parobé (RS), a perder R$ 255 mil. O caso foi revelado em reportagem do Fantástico e ajudou a polícia a rastrear o grupo.
CNJ vai reforçar segurança nos sistemas judiciais
Com a descoberta do esquema, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) anunciou que, a partir de novembro, todos os acessos às plataformas digitais da Justiça terão autenticação em dois fatores, semelhante à usada por bancos.
“É uma camada extra de proteção. O sistema será acessado apenas com o login, a senha e um código autenticador no celular ou computador do usuário”, informou o CNJ.
Especialistas defendem que os tribunais também devem restringir o acesso a documentos com dados sensíveis e criar auditorias automáticas para registrar IP, horário e nome de quem acessa os processos.
“Hoje, sem rastreabilidade clara, é impossível saber quem está manipulando informações dentro do sistema”, alerta José Milagre, advogado especialista em cibercrimes.
Uma nova onda de golpes está se espalhando pelo Brasil, vitimando milhares de pessoas que têm processos na Justiça. É o golpe do falso advogado: criminosos se passam por advogados para prometer a liberação de benefícios ou indenizações e, com isso, pedir pagamentos adiantados. O prejuízo nos últimos três anos já chega a R$ 2,8 bilhões.
O que era um simples estelionato se tornou mais ousado. As quadrilhas usam credenciais de advogados para acessar os sistemas online da Justiça. Segundo Ana Tereza Basílio, presidente da OAB-RJ, 99,9% dos processos judiciais são eletrônicos. Nesses sistemas, dados das partes envolvidas, como telefones e e-mails, ficam expostos em processos que não correm em segredo de justiça. Com essas informações, os criminosos miram nos valores que a vítima está prestes a receber.
O funcionário público Gilberto Alves, de Brasília, foi uma das vítimas. Ele recebeu uma mensagem no WhatsApp com a foto do seu advogado verdadeiro. “A mensagem que eu recebi no telefone é que a gente tinha ganho a causa na justiça”, conta.
O golpista pedia uma taxa de quase R$ 2 mil para a liberação do dinheiro. “Só que ele sempre frisava no pagamento que tinha que ser realizado naquele dia”. Gilberto pagou o boleto e só depois percebeu o golpe. “Era a foto, só que o número era diferente”, lamentou.
No Rio Grande do Sul, o repórter Giovani Grizotti encontrou uma vítima que perdeu R$ 255 mil. A aposentada, que vive com um salário mínimo , esperava receber cerca de R$ 7 mil da pensão por morte do marido. Ela recebeu uma mensagem que dizia ser do escritório de sua advogada e conversou com uma suposta advogada, "Doutora Leandra", e um comparsa. Eles exigiram depósitos para liberar o dinheiro. “Acho que eu fiz mais ou menos uns nove depósitos”. O valor perdido era toda a sua reserva.
Os advogados também são vítimas. A verdadeira Leandra Wichmann, advogada da aposentada, contou que os golpistas tiraram "prints" da procuração de dentro do processo na Justiça Federal e criaram um comprovante falso em seu nome.
Aposentada chegou a perder R$ 225 mil em golpe de falso advogado
Reprodução
A polícia investiga o esquema. As credenciais de advogados são vendidas online, algumas por apenas R$ 200. Com elas, os golpistas acessam documentos sigilosos. “Isso dá credibilidade. A vítima passa a acreditar nesse contato” , afirmou o delegado João Vitor Herédia.
A polícia também apura a ligação do golpe com facções criminosas. Em julho, Henrique "Oliver" Vargas da Silva foi preso no Espírito Santo , apontado como o principal fornecedor de logins e senhas para as quadrilhas.
O Fantástico não conseguiu contato com a defesa de Henrique Vargas da Silva.
Enquanto as autoridades tentam frear o golpe, os criminosos se modernizam. A reportagem do Fantástico alerta que a inteligência artificial já está sendo usada para aperfeiçoar a fraude. “Nós já tivemos aqui também relatos de casos em que o criminoso pegou a voz do advogado em determinado evento e replicou com a inteligência artificial” , disse Ana Tereza Basílio, da OAB-RJ. Além da clonagem de voz, os golpistas usam a tecnologia para simular o número de telefone real do advogado.
Para combater a fraude, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) anunciou uma nova medida de segurança. A partir de novembro, o acesso às plataformas digitais da Justiça exigirá uma "camada extra de proteção", similar à autenticação usada por bancos. “A gente sai do acesso apenas login e senha e entra pra um acesso utilizando o autenticador no seu aparelho telefônico” , explicou João Paulo Schoucair, conselheiro do CNJ. Ele afirma que o sistema "é seguro".
Advogados e especialistas ouvidos pela reportagem dão orientações cruciais para não cair no golpe. A principal dica é: desconfie de qualquer contato por mensagem ou ligação. “A orientação sempre é: ligue para o seu advogado. Recebeu alguma ligação, alguma mensagem, ligue para o seu advogado” , reforça Leandra Wichmann. Outro ponto é a urgência. “É sempre uma urgência -- 'Ah, precisa transferir agora'. Não, o processo judicial demora meses, anos” , lembra o advogado Eduardo Gasiglia.
A forma de pagamento é o principal alerta. O Poder Judiciário não utiliza PIX ou boletos bancários para liberar valores. “O pagamento do processo judicial, ele é depositado em juízo e após o depósito em juízo, é gerado o alvará de pagamento” , explica Gasiglia. A vítima só recebe o dinheiro por meio desse alvará. A recomendação final é nunca clicar em links nem fazer pagamentos sem antes confirmar diretamente com o advogado, de preferência por um número que o cliente já tenha salvo.
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