Inspeções foram realizadas em abril de 2024 em presídios, hospitais psiquiátricos e centros socioeducativos do estado pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT). Relatório mostra violação de direitos humanos em presídios de Pernambuco
Um relatório elaborado pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, revelou uma série de violações de direitos humanos em unidades prisionais, hospitais psiquiátricos e centros socioeducativos de Pernambuco.
Em quase 200 páginas do documento são detalhadas situações de superlotação, infraestrutura precária, falta de assistência médica e psicológica, além de denúncias de violência física e psicológica praticadas por agentes do Estado.
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As unidades visitadas pelo MNPCT incluem a Penitenciária Juiz Plácido de Souza, em Caruaru; a Colônia Penal Feminina de Buíque; o Hospital Psiquiátrico Ulysses Pernambucano, no Recife; centros da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Funase); e o Presídio de Igarassu, desativado em abril deste ano.
Em fevereiro, a Polícia Federal realizou uma operação para desarticular um esquema de corrupção dentro do Presídio de Igarassu. O ex-secretário executivo de administração penal de Pernambuco chegou a ser filmado recebendo um maço de dinheiro do diretor da unidade. Ambos foram presos.
As inspeções aconteceram entre os dias 15 e 19 de abril de 2024 com o objetivo de identificar práticas de tortura e avaliar as condições de tratamento dado a pessoas privadas de liberdade. O material foi apresentado nesta segunda-feira (19), em uma audiência pública realizada na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe).
Superlotação e delegação de poder a detentos
De acordo com o relatório, Pernambuco possui a sexta maior taxa de ocupação carcerária do Brasil, com cerca de 30 mil pessoas presas em um sistema com capacidade para apenas 15 mil.
Além do déficit de vagas, os presos provisórios são quase 50% da população privada de liberdade no estado. Pernambuco ocupa o quarto lugar em número de pessoas nessa condição, o que agrava a superlotação e o hiperencarceramento.
Outro ponto crítico apontado é a figura dos “chaveiros” ou representantes de pavilhão, que são presos que exercem funções disciplinares dentro das unidades. Essa prática é legalizada pela Lei Estadual nº 15.755/2016 e, segundo o MNPCT, tem sido associada a abusos, tortura e violações de direitos humanos.
Um exemplo é o caso de duas mulheres trans que denunciaram, em março, episódios de exploração sexual no Presídio de Igarassu. Num vídeo gravado dentro da unidade, elas contaram que eram obrigadas a se prostituir pelo “chaveiro” do local (veja abaixo).
Mulheres trans presas no Presídio de Igarassu denunciam violência e exploração sexual no local
O Presídio de Igarassu foi classificado como um dos casos mais graves dentro do documento do MNPCT. Com capacidade para cerca de 1.300 pessoas, a unidade abrigava quase 6 mil presos, uma taxa de ocupação de 442%. O Supremo Tribunal Federal (STF) estabelece como limite máximo 137,5%.
Já na Penitenciária Juiz Plácido de Souza, em Caruaru, as celas foram descritas como "gavetas mortuárias" pelo MNPCT. Segundo o órgão, os espaços são "minúsculos e insalubres", onde os presos mal conseguem se mover ou se deitar adequadamente. Com capacidade para 744 pessoas, a unidade abrigava 1.735 presos no momento da inspeção, o que representa uma taxa de ocupação de 246%.
Detentos da Penitenciária Juiz Plácidos de Souza com marcas de violência
Reprodução/Relatório MNPCT
O relatório também denuncia o uso de castigos físicos, isolamento prolongado sem respaldo legal e a atuação dos “chaveiros”, assim como em Igarassu. A alimentação foi descrita como "insuficiente" e de "baixa qualidade".
Mulheres em situação de vulnerabilidade
Colônia Penal Feminina de Buíque, em Pernambuco, tem celas em situação precárias
Reprodução/Relatório MNPCT
A situação da Colônia Penal Feminina de Buíque, no Agreste do estado, é descrita no documento apresentado na Alepe nesta segunda (19) como uma "negligência sistêmica em relação às questões de gênero". O espaço foi projetado, incialmente, para ser masculino, mas foi ajustado para atender à crescente demanda por instalações para mulheres.
Segundo o relatório, a Colônia Penal Feminina de Buíque é empregada como "castigo ilegal", por meio de transferências administrativas sem ordem judicial, devido à sua localização afastada e às dificuldades de visitação para os familiares.
Com capacidade para 107 internas, a unidade abrigava 232 mulheres no momento da inspeção — uma taxa de ocupação de 216%. O relatório denuncia a presença de agentes penitenciários do sexo masculino em funções de custódia direta, o que contraria as Regras de Bangkok da Organização das Nações Unidas (ONU).
Durante as visitas, as internas relataram episódios de violência física, uso de spray de pimenta e balas de borracha, além de negligência médica.
Em relação a saúde, a unidade conta com um médico, um enfermeiro, dois auxiliares de enfermagem, um dentista, um auxiliar de odontologia, uma nutricionista, dois assistentes sociais e dois psicólogos. Não há psiquiatra no local, nem atendimento emergencial noturno. O relatório também aponta a falta de medicamentos, exames preventivos e protocolos de prevenção ao suicídio.
Adolescentes sob risco
As inspeções também revelaram violações em unidades da Funase, como o Centro de Internação Provisória do Recife (Cenip) e o Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) Santa Luzia, ambos no Recife.
Relatos de agressões físicas, uso de algemas em consultas externas e revistas vexatórias foram registrados. A assistência médica é limitada e não há protocolos para prevenção de suicídio. A presença de agentes masculinos em unidades femininas também foi criticada.
As condições de higiene do Cenip foram pontuadas no relatório como precárias, com o ambiente sujo e insalubre. Não há pessoal responsável pela limpeza da unidade. Os adolescentes relataram ainda calor intenso e a proibição de uso de ventiladores.
Recomendações e cobranças
O relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura apresenta uma série de recomendações ao governo de Pernambuco, entre elas:
Separação adequada entre presos provisórios e condenados;
Proibição de isolamento prolongado e celas escuras;
Formação específica para professores em unidades prisionais;
Substituição de policiais por técnicos qualificados em cargos administrativos;
Uso obrigatório de câmeras corporais por agentes de segurança;
Proibição do uso de spray de pimenta em ambientes fechados;
Fornecimento regular de colchões antichamas, roupas e materiais de higiene;
Ampliação das oportunidades de estudo e trabalho para presos;
Construção de espaços adequados para visitas íntimas;
Proibição de agentes masculinos em funções de custódia em unidades femininas.
O documento cobra a retomada do funcionamento do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura (MEPCT/PE) e aponta que o governo estadual “deve abster-se de exercer influência política” sobre o órgão.
Wilma Melo, do Comitê Estadual de Combate à Tortura reivindicou autonomia para o MEPCT/PE.
"Embora seja criada pelo poder Executivo, tem que ser independente. Não pode ser feito através de indicação. Tem que ser feito através de um edital, cumprir o que a lei determina em relação a paridade e tudo mais. Toda independência deve ser considerada", falou Wilma Melo.
Glaucia Andrade, secretária executiva de Direitos Humanos disse que existe uma ação integrada entre as secretarias para debater melhorias no sistema prisional de Pernambuco.
"A gente tem um relação integrada das secretarias, seja da SEAP [Secretaria Estadual de Administração Penitenciária], seja das medidas socioeducativas, para debater as melhorias que podem chegar através de denúncias ou da atividade da própria equipe do governo do estado", disse Andrade.
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