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Abandonado há 15 anos, antigo DOPS no Rio pode virar centro de memória da ditadura


Imóvel foi usado durante a ditadura militar para prender e torturar presos políticos. O Ministério Público Federal quer que o prédio seja devolvido à União e convertido em centro de memória. Abandonado há 15 anos, antigo DOPS no Rio pode virar centro de memória da ditadura

No Centro do Rio, um prédio histórico que carrega memórias de um período sombrio do Brasil está completamente abandonado há 15 anos. O antigo Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) foi usado durante a ditadura militar para prender e torturar presos políticos.

O Ministério Público Federal (MPF) quer que o imóvel seja devolvido à União para ser transformado em um centro de memória.

O prédio na esquina das ruas da Relação e dos Inválidos hoje é mais um símbolo de um passado que muitos desconhecem, quando o Brasil viveu sob o domínio da censura, da repressão e da tortura.

Um passado que ainda assombra a professora e ex-presa política Dilceia Quintela.

Prédio do DOPS, no Rio

Reprodução/TV Globo

“Fiquei numa cela sozinha, que era uma pedra lá pra você dormir. Era muito difícil porque você não sabia, você estava à mercê deles”, lembra.

Em 1975, a integrante do Partido Comunista foi sequestrada e presa. Ela foi levada primeiro para o DOI CODI — centro de tortura do Exército na Tijuca — onde foi vítima da violência do estado.

E depois para o DOPS, da Polícia Civil — órgão criado para coibir crimes que colocassem em risco a segurança do estado. Cenário de prisões, violações de direitos e violência durante a ditadura militar.

“A dor maior né, que eu sofri, apesar das torturas, das pancadas. Mas a dor maior foi ter meu filho desmamado por eles”, diz Dilceia.

Ela hoje luta com movimentos de defesa dos direitos humanos para transformar o prédio do DOPS num centro de memória.

Dilceia Quintela

Reprodução/TV Globo

Prédio abandonado

Prédio do DOPS, no Rio

Reprodução/TV Globo

A partir dos anos de 1980, o edifício — de responsabilidade da Polícia Civil do RJ — foi sendo desativado aos poucos e está sem qualquer uso desde 2009. A estrutura se desgasta rapidamente e, do lado de fora, os sinais de abandono são evidentes.

O RJ2 pediu à Polícia Civil para entrar no prédio, mas o pedido foi negado duas vezes, sem qualquer justificativa.

A reportagem teve acesso a imagens internas, reveladoras do estado precário da estrutura.

Prédio do DOPS, no Rio

Reprodução/TV Globo

Quarenta anos depois do fim da ditadura militar, a carceragem do DOPS ainda existe. No local, ficavam as celas para os homens, incluindo as solitárias.

No ano passado, o MPF entrou no caso e há alguns dias recomendou que o prédio seja devolvido ao governo federal.

“A União doou o prédio ao estado com fim de que fosse dedicado ao serviço, a atividade policial, e isso não vem ocorrendo há mais de 15 anos. Além disso, esse prédio não tem sido devidamente preservado. Então, o objetivo da recomendação é que ele vá para a União para finalidade de implantar um centro de memória naquele espaço”, explica o procurador regional dos Direitos do Cidadão adjunto, Júlio Araújo.

O documento pede que o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos adote as providências necessárias no prazo de 60 dias.

“A gente acredita que esse passo é um passo importante pra de fato efetivar esse espaço como um espaço de memória dos direitos humanos, das lutas sociais”, fala Rafael Maul, do Grupo Tortura Nunca Mais (RJ).

Desde novembro do ano passado, a única movimentação dentro do prédio é a de voluntários dos movimentos que lutam pela preservação da memória.

Eles passaram a recolher e recuperar documentos que estavam jogados e abandonados. Entre eles, encontraram registros históricos importantes: fichas de agentes do DOPS.

Esses documentos podem ajudar a contar como foi a atuação de repressores e torturadores ao longo da história, desde os anos de 1940 até a ditadura militar.

O material foi resgatado de dentro de sacos de lixo e vem passando por um minucioso trabalho de limpeza e organização.

Prédio do DOPS, no Rio

Reprodução/TV Globo

Entre as fichas, Felipe Nin, do Coletivo RJ Memória, Verdade, Justiça e Reparação, encontrou informações sobre os torturadores do próprio tio, Raul Amaro, uma das vítimas da ditadura.

“Meu tio foi preso aqui nesse prédio em 1 de agosto de 1971. Ele era um engenheiro, trabalhava no Ministério da Indústria e Comércio. E ele foi assassinado 12 dias depois, no Hospital Central do Exército. E através dos documentos, a gente conseguiu identificar que no último interrogatório dois agentes do DOPS tinham atuado no assassinato dele.”

Até agora, os voluntários já encheram 94 caixas com documentos que estão à espera de transferência para o arquivo público do estado. Resgatar essa memória é uma corrida contra o tempo.

“Você vai olhar os outros países aqui em volta, todos têm, todos os locais que serviram de tortura, hoje são museus, memoriais, de memória, justiça e reparação. Preservar pra não esquecer e pra nunca mais acontecer”, fala Dilceia.

O que dizem os envolvidos

A Polícia Civil disse que colabora com a preservação do acervo, que tem interesse pelo imóvel e que está fazendo um projeto pra transformar o prédio num centro cultural.

A Secretaria de Patrimônio da União disse que avalia as providências cabíveis pra viabilizar a eventual reversão do imóvel ao patrimônio da união e que a proposta de transformar o espaço em um centro de memória está sendo discutida com diferentes esferas de governo e com a sociedade civil.

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