Instituições de ensino também contrataram serviços de confecções de roupas e hortifruti de parente e cabos eleitorais de vereadora. Desde 2019, creches já receberam R$ 64 milhões da Prefeitura do Rio para atender alunos da rede municipal na Zona Oeste. TCM investiga contratos de creches ligadas à família da vereadora Gigi Castilho
As creches ligadas à vereadora do Rio Gigi Castilho (Republicanos) usaram dinheiro público para contratar serviços de confecções de roupas e de um hortifruti que pertenciam a parentes e pessoas próximas à parlamentar. Até uma empresa de dedetização que consta como inapta (desativada) na Receita Federal recebeu uma bolada das creches.
Conforme o RJ2 mostrou nesta segunda-feira (23), as creches também fizeram pagamentos - com dinheiro público - a três padarias que pertencem à filha de Gigi e a dois sobrinhos do marido da vereadora, Luciano Castilho.
Nos endereços onde as três padarias deveriam ter funcionado, há uma casa em construção ou residências de famílias que desconhecem a existência dessas empresas. As padarias pertenceram à filha de Gigi e a dois sobrinhos do marido da vereadora, Luciano Castilho.
Desde 2019, a Creche Deus é Fiel e a Creche Escola Machado já receberam R$ 64,2 milhões da Prefeitura do Rio por meio de convênios para atender alunos da rede municipal de ensino e suprir a demanda de vagas que a cidade não consegue oferecer com as creches públicas.
As duas creches, ligadas à vereadora Gigi Castilho, pagaram, em 2022 e 2023, R$ 1,7 milhão em dinheiro público a nove empresas que pertencem a parentes ou pessoas ligadas à parlamentar.
O levantamento dos gastos das creches em 2022 e 2023 foi feito com base nas prestações de contas que as próprias instituições de ensino entregaram à Secretaria municipal de Educação.
A Creche Comunitária Deus é Fiel foi fundada em 2009 por Gigi Castilho e pelo marido dela, Luciano Castilho. Ela era a vice-presidente, e Luciano, presidente. Os dois renunciaram aos cargos em 2020, e em seus lugares assumiram pessoas ligadas ao casal.
Confecções de roupas e hortifruti que ninguém conhece
Segundo o cadastro na Receita Federal, a Santos Júnior Confecção e Costura deveria ter funcionado em Sepetiba, na zona oeste do Rio. No endereço, o RJ2 encontrou uma casa simples:
Repórter: Eu tô procurando o Flávio Celso, ele tá por aí?
Mulher: Não conheço não!
Repórter: É porque esse endereço aparece como o endereço de uma empresa, Santos Júnior Confecção e Costura, você conhece? Sabe que empresa é essa?
Mulher: Como é que é? (...) Não.
Flávio Celso dos Santos Júnior é sobrinho de Luciano Castilho, marido da vereadora Gigi Castilho. A empresa de Flávio recebeu R$ 123.875,00 para confecção de conjuntos de balé para as creches ligadas à Gigi.
Flávio foi dono da confecção por 2 anos e 3 meses. A empresa fechou em fevereiro deste ano. Além de empresário, ele também foi cabo eleitoral de Gigi Castilho, na campanha que a levou à Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro.
Durante a campanha, Flávio esteve ao lado de Alexandre Felipe de Carvalho Graciano, outro sobrinho de Luciano Castilho. Nesta segunda (23), o RJ2 mostrou que Alexandre foi dono de uma padaria que recebeu quase R$ 50 mil das creches ligadas à família Castilho.
Nas redes sociais, Flávio e Alexandre aparecem nas ruas buscando votos para Gigi, ao lado de Valmir Coutinho de Lima.
Valmir, a quem Gigi chama de amigo nas redes sociais, também foi cabo eleitoral dela no ano passado.
Mas antes das eleições, ele foi dono da empresa que mais recebeu dinheiro das creches, entre as 9 mapeadas pela reportagem. A Coutinho Confecções levou R$ 475.663,00 das creches para fazer uniformes.
O endereço registrado na Receita Federal é o mesmo da confecção de Flávio, onde mora uma família.
Já o endereço que consta nas notas fiscais emitidas para as creches é de um casarão em Sepetiba. Cercado por um muro alto e monitorado, ninguém ouviu falar de Valmir ou da Coutinho Confecções por ali.
Repórter: Conhecem algum Valmir, já ouviram falar esse nome, já viram ele por aqui?
Mulher: Não, nunca vi.
Repórter: Nessa casa, nesse endereço aqui?
Mulher: Não, aí não. Nunca vi entrando.
Repórter: Sabe quem mora nesse endereço?
Mulher: É um senhor só, e uma senhora.
Repórter: É um endereço residencial?
Mulher: É.
A reportagem ligou para Valmir, mas ele desligou depois que o repórter se identificou.
Quem também trabalhou com a vereadora Gigi Castilho na campanha eleitoral foi Bruno Oliveira dos Santos Rodrigues.
Fotos nas redes sociais de Gigi mostram Bruno sempre por perto. Ele também aparece em reuniões e visitas oficiais, ao lado da vereadora, depois de eleita.
Só que essa conexão vem antes das eleições. Bruno foi dono de empresa de hortifruti que vendeu produtos para as creches ligadas à vereadora.
A empresa, que leva o nome dele, recebeu R$ 52.354,86 pelos serviços.
Bruno também foi presidente da Creche Escola Machado, que hoje tem como presidente Andreza dos Santos Adão, filha de Gigi Castilho.
Outra empresa que recebeu uma bolada ainda maior das creches foi a Servinset Serviços de Inseto e Caixa d´Água.
Só que desde 2019 ela aparece como inapta na Receita Federal. Ou seja: não pode funcionar e nem emitir notas fiscais. Mas só entre 2022 e 2023, a Servinset recebeu R$ 325.230,00 das creches.
O endereço da Servinset registrado na Receita Federal é o de uma casa em Olaria, na zona norte do Rio. No entanto, no local funciona outra empresa, que não tem qualquer ligação com a Servinset.
Repórter: Não é Servinset Serviços de Inseto e Caixa d´Água?
Homem: Não... Qual o nome da empresa?
Repórter: Servinset Serviços de Inseto e Caixa d´Água.
Homem: Vou até anotar aqui. Que eu não conheço, não.
"A empresa inapta jamais poderia ser contratada de uma organização da sociedade civil porque, no regulamento de compras, prevê que ela deve contratar empresas que estejam em regular situação de funcionamento. Uma empresa inapta jamais poderia ser contratada pela OSC e nem por qualquer outra empresa, ou qualquer outro contratante interessado", explica Mauricio Reis, advogado especialista em Direito do Terceiro Setor.
O gabinete do vereador Pedro Duarte (Novo) formalizou uma denúncia ao Tribunal de Contas do Município (TCM), que abriu um procedimento para apurar as irregularidades.
"Muitas dessas empresas nós tentamos contato por telefone, por e-mail, buscar se eles prestavam serviços para outras pessoas até para cotar e poder fazer essa comparação. E na ampla maioria dos casos geraram empresas que a gente não conseguia localizar", disse o vereador.
TCM abre investigação
O TCM informou que está fazendo uma auditoria técnica nos contratos com a Creche Comunitária Deus é Fiel, bem como nos respectivos processos de prestação de contas.
Segundo o TCM, o relatório ainda está em fase de elaboração. Após a conclusão, será encaminhado ao conselheiro relator, que então prepara seu voto e o submete aos demais conselheiros.
Gigi Castilho foi eleita com mais de 13 mil votos. Mais de 75% deles foram na Zona Oeste — região onde ficam as creches e a maioria das empresas contratadas.
O que dizem os citados
Em nota, a vereadora Gigi Castilho declarou que os fatos noticiados, que ligam o nome dela a supostas irregularidades, não passam de ilações e perseguições políticas infundadas. Ela disse que nos anos de 2022 e 2023 atuou no quadro docente da Creche Deus é Fiel como diretora pedagógica, e que não tinha conhecimento sobre a parte administrativa e financeira das contratações.
Flávio Celso dos Santos Júnior declarou que o trabalho foi executado e entregue. Disse ainda que a confecção era devidamente registrada e cumpria com todas as obrigações fiscais.
Valmir Coutinho de Lima afirmou que prestou os serviços contratados e que é possível comprovar isso pelas notas fiscais.
Bruno Oliveira dos Santos Rodrigues disse que foi representante legal da Creche Escola Machado até julho de 2022. E que nesse período, todas as contas foram aprovadas pela Secretaria municipal de Educação o que, segundo ele, comprova que todos os serviços contratados foram efetivamente prestados, com total transparência.
A empresa Servinset Serviço de Inseto e Caixa d´Água não respondeu ao nosso contato.
A Secretaria municipal de Educação disse que está apurando as denúncias recebidas, com o acompanhamento da Controladoria-Geral do Município. E que o Tribunal de Contas do Município está realizando uma auditoria sobre o caso.
Vereadora Gigi Castilho
Reprodução/TV Globo