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Famílias alegam compra de imóveis da Santa Casa e enfrentam ordem de despejo na Zona Sul do Rio


Segundo os moradores de um condomínio na Praia do Flamengo, área nobre do Rio, eles compraram os apartamentos de pessoas que viviam no prédio. A instituição diz não reconhecer a negociação e venderam os imóveis para outras pessoas. Famílias alegam compra de imóveis da Santa Casa e enfrentam ordem de despejo na Zona Sul do Rio

Reprodução TV Globo

Cerca de 70 famílias que vivem em três prédios históricos na Praia do Flamengo, na Zona Sul do Rio de Janeiro, estão sob ordem de despejo e devem deixar os imóveis até setembro.

Os moradores afirmam ter adquirido a posse dos apartamentos de pessoas ligadas a Santa Casa de Misericórdia, antiga proprietária dos edifícios. Contudo, a instituição nega ter autorizado qualquer venda e classifica os moradores como invasores.

"Só não estamos na rua porque conseguimos algumas liminares e não fomos postos para fora. Se dependesse mesmo da Justiça, nós estaríamos fora daqui desde o dia 21 de março", disse o morador Adriano Cornélio.

Os imóveis, construídos na década de 1940 em estilo art déco, foram vendidos pela Santa Casa no ano passado para quitar dívidas da instituição. Desde então, os moradores passaram a ser alvo de ações judiciais de reintegração de posse.

A Santa Casa era a dona dos três prédios, parte do patrimônio que a instituição recebeu como doação ao longo da sua história.

Moradores dizem ter comprado a posse

Segundo os moradores, os apartamentos foram adquiridos por meio de contratos particulares de cessão de posse, com valores pagos a intermediários como Carlos Alberto Braga Júnior, conhecido como 'Carlos, o Abençoado'.

Um dos moradores, Adriano Cornélio, afirma ter investido todas as suas economias na compra do imóvel em 2023. Ele assinou um contrato reconhecido em cartório, mas o nome do vendedor no documento é de uma pessoa que ele diz não conhecer: Alexandre Malheiros Desouzart.

"A transmissão de posse foi feita em dezembro de 2023. Só que ele não vem no nome nem do Carlos e nem da Juliana, nem da Santa Casa. Foi pelo laranja. O nome dele é Alexandre. Esse documento a gente recebeu assinado, autenticado pelo cartório", explicou o morador.

Já Genivaldo Nunes e Lucimar dos Santos, outros moradores do prédio, também relataram ter feito negócios semelhantes, confiando na suposta ligação de Carlos com a Santa Casa.

Eles afirmam que o intermediário se apresentava como representante da instituição e dizia contar com o aval da advogada Juliana de Simone Horta, nora do atual controlador da Santa Casa, Francisco Horta.

"O cara me vendeu o apartamento dando garantia que era tranquilo. Só que era posse. Eu paguei R$ 260 mil pelo imóvel e gastei quase R$ 200 mil de obra", disse Genivaldo.

Despejo e incerteza

Em março, oficiais de Justiça e policiais estiveram nos prédios para intimar os moradores a deixarem os imóveis. Alguns apartamentos já foram desocupados e tiveram as portas lacradas com tijolos.

Os que permanecem no local têm até setembro para sair, mediante acordo que prevê o pagamento de aluguel e condomínio até a desocupação.

Moradores pagavam condomínio para pessoa que dizia ter ligação com a Santa Casa

Reprodução TV Globo

Especialistas em direito imobiliário explicam que a cessão de posse só tem validade em imóveis não regularizados. Como os prédios agora têm registro em cartório, os contratos assinados pelos moradores não têm valor legal.

"O termo de posse em um imóvel regularizado, um apartamento, é um documento altamente precário. (...) Se a gente estivesse falando de uma área rural, de imóveis não regularizados, e imóveis sem registro, um termo de posse poderia ter um valor mais alto. Mas se tratando de um apartamento onde facilmente é possível tirar uma certidão no cartório e descobrir quem e o verdadeiro proprietário, é um documento que não causa uma boa impressão no poder judiciário", explicou Gustavo Kloh, professor da FGV Direito Rio.

Santa Casa nega envolvimento

Em nota, a Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro afirmou que os imóveis foram invadidos e que não houve qualquer venda ou cessão de posse autorizada por seus representantes.

A instituição também declarou que não mantém relação comercial com Carlos Alberto Braga Júnior e lamentou que pessoas tenham sido “induzidas a erro por terceiros ardilosos”.

A nota ainda aponta que a ocupação irregular elevou os custos de água, limpeza e manutenção dos prédios, e que os próprios moradores solicitaram o rateio das despesas entre todos os ocupantes.

Intermediário admite participação

Procurado pela reportagem, Carlos Alberto Braga Júnior confirmou que intermediou as negociações.

"Eles pagaram e receberam termo de posse. Não é exatamente uma venda, mas houve transação comercial", disse ele.

Questionado sobre a participação da advogada Juliana Horta, ele preferiu não responder por telefone.

Os moradores também apresentaram comprovantes de pagamento de condomínio feitos diretamente para a conta pessoal de Juliana, com recibos emitidos em papel timbrado da Santa Casa.

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