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Guardião do fole de oito baixos, Luizinho Calixto diz que 'resgatar o instrumento é dar sequência ao trabalho'


Neste Dia do Sanfoneiro, g1 homenageia Luizinho Calixto, mestre do fole de oito baixos. Luizinho Calixto, guardião do fole de oito baixos

Divulgação/Luizinho Calixto/Redes sociais

Esta segunda-feira, dia 26 de maio, marca o Dia do Sanfoneiro. A data foi instituída em alusão ao aniversário de Sivuca, paraibano conhecido mundialmente pela excelência no acordeon. E outro paraibano, Luizinho Calixto, tem seguido o legado e "carregado o peso" de ser guardião do fole ou sanfona de oito baixos.

O instrumento conhecido popularmente como fole ou sanfona de oito baixos é uma das variações da sanfona. Neste dia do sanfoneiro, o g1 homenageia Luizinho Calixto, mestre do fole de oito baixos.

Natural de Campina Grande, cidade do Maior São João do Mundo, Luizinho Calixto conheceu a sanfona de oito baixos ainda na infância, aos oito anos de idade, através do pai e dos irmãos. Um dos irmãos dele, Zé Calixto, um dos maiores sanfoneiros do país, já tinha até discos gravados e vários shows por outros estados do Brasil.

Luizinho conta que de tanto ver os familiares tocarem começou a mexer pedaços de madeira, imitando o movimento que se faz com o fole. O pai, percebendo o interesse dele pelo instrumento, pediu que Zé Calixto trouxesse um fole do Rio de Janeiro para Luizinho.

"Um dia sentado numa cadeira eu comecei a tocar uma música do meu pai, que já estava na minha mente. Mexendo para lá e para cá um pedaço de madeira e eu fazendo de conta que era uma sanfona. Minha mãe, que não tinha envolvimento direto com a música, falou pra o meu irmão Zé Calixto que quando viesse do Rio de Janeiro trouxesse uma sanfona pra mim'", relatou.

Do simples interesse manifestado através do movimento da sanfona com madeiras, já no primeiro contato com um fole de verdade Luizinho começou a tocar de forma natural.

"Quando ele (o irmão) veio, trouxe um fole de oito baixos. E quando peguei já comecei a tocar alguma coisa, com uma certa dificuldade, claro... Uma criança pegar (o instrumento) e tocar rápido é difícil, mas porque eu já ouvia, já toquei alguma coisa", disse.

Luizinho Calixto, guardião do fole de oito baixos, na infância

Luizinho Calixto/Redes sociais

De lá para cá, são 60 anos de carreira. Começou a tocar fole aos oito anos, aos 13 passou a acompanhar o pai nos forrós, mas somente aos 20 anos Luizinho Calixto gravou o primeiro disco, no Rio de Janeiro, e se apresentou ao Brasil como músico.

Referências musicais

Luizinho Calixto considera a própria família como sua grande primeira referência musical. Mas além deles, Luizinho também conviveu pessoalmente com vários dos grandes nomes da música brasileira e nordestina.

Com Jackson do Pandeiro, o Rei do Ritmo, que era amigo do pai de Luizinho, ele aprendeu a tocar vários instrumentos de percussão. Com Luiz Gonzaga, ele aprofundou o conhecimento sobre o fole de oito baixos. Com Dominguinhos, viu de perto a excelência de um instrumentista. Convivência que formou a base para os anos de carreira construídos até hoje.

"Minha primeira referência foi Zé Calixto, como instrumentista da sanfona de oito baixo. A segunda foi Jackson do Pandeiro. Quando conheci ele eu era criança e ele já era o Rei do Ritmo. Eu já tocava zabumba e depois que vi ele tocando esses instrumentos todos de percussão muito bem também quis aprender. Não vi outros músicos tocar tão perfeitamente como ele! Depois o próprio Luiz Gonzaga. Em conversas que nós tínhamos, vi que seu Luiz era uma enciclopédia, tem hora que não encontro nem palavras pra ele, pra o que ele representa pra mim até hoje. Depois conheci Dominguinhos e vi o que é tocar sanfona. Não tem ninguém que faz o que ele fez (...) aprendi muito com ele. Foram pessoas que me serviram de referência e que até hoje procuro me conduzir dentro disso tudo que aprendi".

Bebendo dessas referências, Luizinho Calixto se tornou um verdadeiro guardião do fole de oito baixos. O instrumento, popular em vários países europeus e no sul do Brasil, tem origem desconhecida no Nordeste.

"A sanfona de oito baixos, dos instrumentos que eu conheço, é o mais complicado. Se você somar flauta, acordeon, violão… Todos eles, nenhuma é tão complicado quanto o fole na afinação que nós tocamos".

Segundo o próprio Luizinho, pelo grau de complexidade de tocar e pela dificuldade de se encontrar o fole de oito baixos, o que explica a resistência do instrumento é o amor passado de geração em geração.

"Eu tenho alunos que quando eu pergunto porque querem tocar sanfona de oito baixos e não outros instrumentos, dizem: 'porque meu pai tocava, meu avô, porque herdei o instrumento e quero dar sequência no trabalho e onde eles tiverem vão ficar feliz", disse.

Segundo Luizinho, existem poucas afinações para o fole oito baixos, e uma delas é a chamada afinação transportada, que ele e outros músicos usam.

Não há informações sobre quem criou o método, ou como ele chegou ao Nordeste brasileiro. Mas, apesar da dificuldade de se aprender e ensinar, Luizinho acredita que é justamente o aprendizado que consegue garantir o legado do fole de oito baixos.

"Os antigos falavam que para aprender a tocar sanfona a pessoa tem que ter um dom, mas se fosse assim eu não existia como professor, porque tenho vários alunos que vivem da música e não sabiam tocar nada, e hoje tem grupos ganhando a vida tocando sanfona de oito baixos", disse.

Amor pelo instrumento

Pelo contato íntimo desde a infância, é difícil separar Luizinho Calixto e a sanfona de oito baixos. O instrumento que o escolheu naturalmente também o levou a lugares como a Europa, onde já tocou em vários importantes festivais, e o proporcionou amizades com artistas como Fagner e Chico César.

"Esse instrumento, a sanfona de oito baixos, me deu inúmeras coisas. Eu fiz amizades com Zé Adriani, Dominguinhos, Nara Leão... Toquei pela primeira vez em um teatro graças a Vital Farias, no Rio de Janeiro, já toquei com Fagner, Chico César, com tantas pessoas importantes...", disse.

Para Luizinho, a sanfona de oito baixos lhe ofereceu muito mais que a capacidade de tocar um instrumento.

"Já fiz tanta coisa! E tudo isso com meu instrumento no peito. Só tenho que agradecer. Criei e formei dois filhos, graças a Deus e a sanfona de oito baixos. E estou na vida musical até hoje com meu instrumento", disse.

Luizinho Calixto dando aula de sanfona de oito baixos

Divulgação/Associação Cultural Balaio Nordeste

Legado

Pensando em deixar um legado, Luizinho Calixto passou a dar aulas de fole de oito baixos. Ele ensina gratuitamente na Associação Cultural Balaio Nordeste, na capital paraibana João Pessoa, onde existem oito foles de oito baixos disponíveis para os alunos.

Além das aulas presenciais gratuitas, Luizinho também oferece cursos pela internet. Com a possibilidade da aprendizagem online, Luizinho coleciona alunos de outros estados brasileiros, como Acre, São Paulo, Bahia... Ele relata que já perdeu as contas de quantos alunos possui.

Mesmo com o esforço, o músico acredita que ainda existe um risco de que se deixe de existir sanfoneiros de oito baixos, que se justifica, segundo Luizinho, tanto pelo grau de complexidade do instrumento, quanto pela dificuldade em encontrá-lo em preços acessíveis.

Luizinho Calixto durante aula de fole de oito baixos

Luizinho Calixto/Redes sociais

Luizinho Calixto acredita que a alternativa para evitar que isso aconteça é a valorização por parte das instituições que promovem a cultura não apenas na Paraíba, mas em todo o Brasil.

"Não se vê um sanfoneiro de oito baixos no palco do São João, por exemplo, em Campina Grande. Então com isso o instrumento vai entrando pra um processo de esquecimento, e as pessoas não querem lembrar que a sanfona de oito baixos foi o primeiro instrumento de Luiz Gonzaga, Sivuca, Dominguinhos, acompanhou Jackson do Pandeiro... São vários acordeonistas que passaram primeiro por ele. Não é resgatar o instrumento, é dar sequência ao trabalho", reitera.

Luizinho Calixto espera que essa realidade mude, apesar de ter consciência do peso que carrega ao ser o guardião da sanfona de oito baixos não apenas na Paraíba, mas no Brasil.

"Que surjam palcos pra o sanfoneiro de oito baixos mostrar o que sabe, porque se não, não tem estímulo pra o aprendiz. Eu estou segurando esse peso com maior prazer. Enquanto eu tiver força, saúde e vida vou divulgar", finaliza.

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