G1

Primeiro caso de doença genética rara identificada no Brasil, menino arrecada R$ 18 milhões para tratamento em campanha emocionante


Em uma corrida contra o tempo, a família de Eduardo Amaral, de dois anos, mobilizou o país para conseguir custear o tratamento do filho nos EUA. A criança foi diagnosticada com SPG50, uma doença genética ultrarrara que afeta menos de 100 pessoas em todo o mundo. Eduardo Amaral, o Dudu, tem paralisia espástica

Acervo familiar/Reprodução

Foi pelas redes sociais, onde a campanha “Cura para Dudu” ganhou força nos últimos meses, que os pais de Eduardo Silva Amaral, de 2 anos, anunciaram que a meta de R$ 18 milhões, necessários para o tratamento do filho, foi atingida. O menino, natural de Patos de Minas, no Alto Paranaíba, é o primeiro caso diagnosticado no Brasil da Paralisia Espástica Hereditária Tipo 50, conhecida como SPG50.

🔔 Receba no WhatsApp as notícias do Triângulo e região

Uma série de atitudes solidárias ao longo da última semana possibilitou que o valor milionário fosse arrecadado antes do previsto. Na quinta-feira (5), os pais de Dudu realizaram o sorteio de um carro avaliado em R$ 100 mil. A ganhadora da rifa abriu mão do prêmio e doou o valor integralmente para o tratamento do menino.

Já mais perto de alcançar a meta, Débora Amaral, mãe de Dudu, contou nas redes sociais que, na sexta-feira (6), um doador anônimo, de forma surpreendente, encerrou a campanha.

“Restavam R$ 125 mil para a gente bater essa meta. E um anjo, eu falo que é um anjo mesmo. A gente não sabe o nome da pessoa. Ao conferir o extrato da conta do Dudu, a gente viu que recebeu uma doação de R$ 126 mil. A nossa meta foi automaticamente batida. Essa campanha foi bênção atrás de bênção”, contou Débora, emocionada.

A campanha “Cura para Dudu” começou em setembro de 2024. Os vídeos gravados pelos pais e postados nas redes sociais logo mobilizaram pessoas da região e, rapidamente, o apelo ganhou repercussão nacional. Influenciadores como Gustavo Tubarão, artistas como Ana Castela e Paula Fernandes, e até o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, contribuíram para ampliar a divulgação.

A família também recebeu apoio de associações e empresas, que doaram carros e até terrenos para rifas. Diversos eventos foram realizados em prol da causa. Um movimento que Paulo Amaral, pai de Dudu, descreveu como “surreal”.

“A gente nunca duvidou que esse momento chegaria, mas pensava ‘quando?’. A ficha ainda está caindo. Quero agradecer a quem nos incentivou a entrar nessa luta quando parecia quase impossível. Quero agradecer cada pix, cada doação, evento, compra de rifa, compartilhamento, cada curtida. A soma desses gestos gerou um movimento gigante que é quase surreal de se imaginar”, agradeceu.

Medicamento pode conter avanço de doença ultrarrara

Dudu foi diagnosticado com SPG50 quando tinha um ano e meio. Desde então, a família buscava um tratamento eficaz para a doença, que é progressiva. Aos dois anos, o menino passou a participar de uma pesquisa desenvolvida pela Elpida Therapeutics, uma associação sem fins lucrativos dos Estados Unidos criada por Terry e Georgia Pirovolakis, pais de outra criança com a mesma condição, cujo objetivo é buscar a cura para o filho e outras crianças afetadas pela mutação genética.

Em 2024, a associação ficou sem recursos para manter a pesquisa, que utiliza uma droga chamada Melpida. As famílias de oito crianças assistidas pelo estudo, incluindo Eduardo, decidiram arrecadar os fundos necessários para que os filhos pudessem continuar o tratamento.

Segundo a família de Dudu, os R$ 18 milhões arrecadados serão destinados às despesas operacionais da pesquisa, como seguros de saúde e deslocamento das crianças. Outras frentes de arrecadação, com apoio de parceiros da Elpida e de pais de outras crianças, também ocorreram nesse período.

Débora acredita que, em até três meses, a família estará nos Estados Unidos para iniciar o tratamento. “Agora começa mais uma nova jornada, temos muitos desafios pela frente. Tem um monte de papelada, coisas burocráticas pra gente viajar ainda. Pode ser que demore de dois a três meses pra gente viajar”, detalhou a mãe de Eduardo.

Dudu com os pais, Débora e Paulo

Acervo familiar/Reprodução

O que é a Paralisia Espástica Hereditária Tipo 50

A SPG50 é extremamente rara. Ela é causada por mutações em um gene específico do DNA humano, transmitido de forma hereditária a partir de um padrão chamado “autossômico recessivo”. Isso significa que a doença só se manifesta quando os dois pais são portadores da mutação, mesmo sem apresentarem sintomas, e transmitem o gene alterado aos filhos.

As SPGs formam um grupo de doenças neurológicas degenerativas, caracterizadas, segundo a neuropediatra Ana Paula Resende, pela morte progressiva dos neurônios responsáveis pela parte motora do corpo. Elas estão associadas à espasticidade, uma contração muscular involuntária e persistente que dificulta ações básicas como se movimentar, comer ou falar.

“Existem mais de 50 tipos dessas doenças. O desenvolvimento depende da mutação envolvida, do gene atingido. Algumas, inclusive, são comuns em determinadas cidades devido a algum gene fundador”, explicou a neuropediatra.

No caso de Dudu, a mutação está no gene AP4M1. Ana Paula explica que a alteração genética se manifestou porque a criança recebeu os dois alelos recessivos — ou seja, ambas as cópias do gene estavam alteradas.

“Todos os nossos genes, exceto os sexuais, vêm em parzinhos. A gente recebe um do pai e um da mãe. Para essa doença se manifestar, a gente precisa ter as duas cópias alteradas”, detalhou Ana Paula.

Segundo a médica, crianças com essa mutação costumam ficar paraplégicas por volta dos 10 anos de idade. Aos 20, perdem também os movimentos dos braços, tornando-se tetraplégicas.

#todospelodudu @curaparaodudu SPG50 eduardo amaral carmo do paranaíba mg paralísia espastica

Acervo familiar/Reprodução

Dudu é o primeiro caso diagnosticado de SPG50 no Brasil

De acordo com o médico Marcondes França, professor de Neurologia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador do Departamento de Neurogenética da Academia Brasileira de Neurologia, as paraplegias espásticas hereditárias são extremamente raras.

“No grupo total, temos cinco casos a cada 100 mil pessoas. Existem diversos tipos dessas doenças, mais de 90 ao todo. Algumas se manifestam na fase adulta, outras ainda na infância. A tipo 50 é uma das mais raras. Estimamos que haja menos de 100 casos no mundo”, afirmou.

Leia também:

Quem era o Pedroca, que morreu aos 17 anos com doença rara e inspirou livros, dançou e desfilou no carnaval

Jovem com a 'pior dor do mundo' cita melhora após implantar bomba de analgésicos, mas pede cautela: 'Não sei se é momentânea'

Segundo a base de dados do Grupo de Neurogenética da Unicamp, coordenado por Marcondes, não há outro caso confirmado, nem em crianças nem em adultos, com SPG50 no país.

“Nosso grupo coordena um estudo nacional, com vários centros de pesquisa no Brasil, e os dados confirmam que as SPGs estão no grupo das doenças raras. Alguns tipos são mais comuns, mas outros são extremamente raros. A SPG50 é uma forma rara de uma doença que já é rara”, concluiu.

LEIA TAMBÉM: Como era a vida de Carolina Arruda antes de se tornar a jovem com a 'pior dor do mundo'

Jovem que tem doença com a pior dor do mundo relata rotina

📲 Siga o g1 Triângulo no Instagram, Facebook e X

VÍDEOS: veja tudo sobre o Triângulo, Alto Paranaíba e Noroeste de Minas

Anunciantes

Baixe o nosso aplicativo

Tenha nossa rádio na palma de sua mão hoje mesmo.