Após sucessivas experiências de exclusão, Amelie Segantini, de 14 anos, conseguiu se sentir, enfim, incluída em escola pública estadual de Campinas (SP). O sonho da jovem apaixonada por literatura é cursar letras. Adolescente com paralisia cerebral narra felicidade com mudança para escola inclusiva
Aos 14 anos, Amelie Segantini é uma adolescente sorridente, que gosta de se vestir bem, adora a companhia dos amigos, é ativa nas redes sociais, curte passeios em shoppings e ama literatura - já até escreveu um livro. Ir à escola também está na lista das coisas que ela adora fazer, mas nem sempre foi assim.
É que Memê - apelido pelo qual gosta de ser chamada - é uma jovem com paralisia cerebral e, embora a deficiência seja apenas mais uma característica dela, e não o que a define, ela enfrentou algumas barreiras visíveis e invisíveis ao longo da vida escolar. 'Me sentia isolada', diz.
Hoje a estudante de Campinas (SP) afirma ter, enfim, conseguido se sentir incluída no ambiente educacional e contou ao g1 como isso impactou no seu processo de aprendizagem. Ela sonha em concluir o Ensino Médio para se dedicar à faculdade de letras.
Da tristeza à felicidade
A transformação experimentada por ela foi possível porque professores e alunos se preparam para recebê-la, e criaram um local propício para Memê ser apenas uma jovem estudante, e não uma pessoa com deficiência que está na escola.
Sua história está retratada na série "Ser Acessível", coprodução g1 e EPTV que aborda questões sobre a educação especial, entre elas barreiras, bons exemplos e como a tecnologia assistiva é aliada na acessibilidade de crianças e adolescentes com deficiência.
Nesta reportagem você vai ler:
'Obrigada por sempre lutar por mim'
Acolhimento
De portas abertas
Futuro
#paratodosverem: Numa calçada, a adolescente Amelie Segantini em sua cadeira de rodas motorizada. Ao lado, sua mãe, Keila Costa, caminha sorrindo
Ricardo Custódio/EPTV
'Obrigada por sempre lutar por mim'
Memê tem paralisia cerebral. Nasceu prematura, encarou terapias desde os primeiros meses de vida e a condição afeta principalmente sua locomoção. Deduzir que por essa condição Amelie tem qualquer restrição para o aprendizado é um erro.
“No caso de pessoas com paralisia cerebral, a área que está afetada é a motora, não do cognitivo, do pensamento”, explica a especialista em educação especial, Tathiane Rubin Rodrigues Costa.
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A cadeira de rodas motorizada que Amelie usa atualmente permite que possa ir e vir na escola e no dia a dia de forma autônoma, mas ainda há diversos obstáculos, muitos invisíveis, difíceis de eliminar principalmente quando há falta de conhecimento e empatia do próximo.
Muitos deles foram impossíveis de eliminar em sua antiga escola, por exemplo.
“Eu me sentia isolada, não tinha amigos para conversar. Eles tinham acessibilidade [estrutural], mas o pessoal de lá não era muito legal. O ambiente não me fazia sentir confortável. Era mais difícil para acompanhar as aulas, o material”, recorda a jovem.
Keila Costa, de 53 anos, conta que a filha chegou a manifestar desejo de deixar de frequentar a escola no período. Uma sensação ruim para quem tem ciência das potencialidades de Memê. “Ela só precisa ter o acesso adequado para que se desenvolva”, afirma.
O apoio, dedicação e carinho dos pais no caminho para a inclusão é destacado por Memê, em uma frase que levou a mãe às lágrimas.
“Obrigado por sempre lutar por mim”.
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#paratodosverem: Amelie Segantini sorri na cadeira de rodas, abraçada a melhor amiga, Vitória, que está ao lado em pé
Ricardo Custódio/EPTV
Acolhimento 🤗
Quando se fala em acessibilidade e inclusão, os especialistas afirmam que é preciso ir além de pensar em acesso, ou seja, não é simplesmente garantir a matrícula ou oferecer rampas nas escolas, mas, sim, trabalhar na formação continuada da equipe, melhorar a infraestrutura e ter uma cultura de acolhimento.
Saber isso fez toda a diferença para a vida de Amelie dentro da Escola Estadual Prof. Luiz Gonzaga Horta Lisboa, em Campinas (SP). Antes da chegada da nova aluna, a equipe procurou entender o que seria necessário para recebê-la da maneira correta, e criou um ambiente acessível e acolhedor.
“A Bia, terapeuta dela, veio e conversou com a gente, falou sobre o desenvolvimento e deixou a gente muito à vontade para perguntar. Inclusive deixou um vídeo sobre as necessidades da Memê, e eu o passei para a turma antes dela começar aqui. Então o pessoal já sabia que não era para tratar ela diferente, que era mais uma na sala”, conta Rodrigo Luís Carnieli, de 45 anos, professor de matemática, um dos queridinhos da Memê.
Minha antiga escola não recebeu pessoas que me conheciam. Aqui as terapeutas foram recebidas de braços abertos. Minha fisioterapeuta deu uma palestra. Tenho ajuda para o material, também tenho uma professora de apoio”, conta a estudante do 9º ano do ensino fundamental.
#paratodosverem: Em sala de aula junto a outros alunos, Amelie Segantini e a professora de apoio observam o professor Rodrigo Luís Carnieli a frente
Ricardo Custódio/EPTV
De portas abertas
Sabendo do histórico de problemas na antiga escola, para a recepção, os professores e alunos preparam cartazes, balões e flores para Memê se sentir acolhida desde o primeiro momento.
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🎶 A escola, aliás, tem elementos para acessibilidade para alunos com diferentes necessidades que vão além da estrutura física – até o sinal dos intervalos de aula foi substituído por uma música, mais tranquila que a sirene estridente de muitas escolas.
E o ambiente dentro de sala de aula é, de fato, acolhedor para Memê. Abraçada pelos colegas no dia a dia, gosta de compartilhar a convivência harmoniosa em suas redes sociais. Senta-se próxima da melhor amiga, Vitória, com quem fez questão de aparecer na reportagem.
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Futuro
O ambiente acolhedor e acessível que Memê tem na Escola Estadual Prof. Luiz Gonzaga Horta Lisboa estão com os dias contatos.
A estudante terá de mudar de unidade com a chegada do ensino médio, e ela e mãe temem vivenciar a realidade que tinham antes de chegar ao colégio atual. “Vou ter que sair daqui, infelizmente”, diz Memê.
Exemplo para os colegas e outras jovens com deficiência, Amelie cobra que todos os locais sejam acessíveis para pessoas com deficiência, e deixa uma mensagem de empatia com o próximo.
“Não façam diferença entre as pessoas A gente pode fazer muitas coisas mesmo com uma cadeira de rodas ou com qualquer outra dificuldade”.
#paratodosverem: No pátio da escola, Amelie Segantini sorri para nós, com o livro de sua autoria, "O Mundo Colorido da Memê", nas mãos
Ricardo Custódio/EPTV
O que diz a prefeitura de Campinas?
Questionada sobre as questões envolvendo a antiga escola de Amelie, e quais ações são desenvolvidas na rede para promover a inclusão, a Secretaria Municipal de Educação (SME) de Campinas informou, por nota, que possui professores de educação especial em todas as escolas que articulam os processos inclusivos, e que temas como o capacitismo são tratados em formações.
Veja a nota na íntegra:
"Para promover a acessibilidade dos alunos público-alvo da EE, temos professores de Educação Especial em todas as escolas, que articulam os processos inclusivos, junto ao coletivo da escola, avaliando as necessidades de adaptações e recursos humanos e materiais, para eliminação das barreiras existentes. Assim, o fazer dos profissionais da Educação e da Educação Especial implica em construir estratégias de inclusão e acessibilidade, inclusive com parcerias intersetoriais e com as famílias.
"Existem muitas ações formativas que são anualmente ofertadas na rede municipal de ensino, com vários profissionais envolvidos, muitas delas focando as questões da Educação Especial: grupos de trabalho com os novos professores, ações formativas com Orientadores pedagógicos e equipes gestoras, reunião mensal com professores de Educação Especial, dentre outras. O capacitismo, inclusive, foi tratado em reunião com professores de Educação Especial e os materiais desta formação, produzidos por um professor de Educação Especial, foram disponibilizados para formação nas escolas.
O Núcleo de Educação Especial realiza, periodicamente, ações formativas pontuais junto aos profissionais da Secretaria Municipal de Educação, abordando a concepção social da deficiência, a necessidade da eliminação das barreiras existentes e o desenho universal da aprendizagem, dentre outros assuntos pertinentes à Educação Especial e à política da inclusão. A SME conta, ainda, com o Cepromad, Centro de Produção de Materiais Adaptados, que garante a acessibilidade necessária para muitos alunos".
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