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Adolescentes acima de 15 anos são maioria nos abrigos de Campinas, mas não são adotados; veja perfis


Em contrapartida, crianças até 3 anos são as mais adotadas, embora sejam minoria entre acolhidos. Dados levam em consideração cenário registrado em 2024. Imagem de arquivo

Jornal Nacional/Reprodução

Adolescentes de 15 a 18 anos são maioria entre os jovens acolhidos nos abrigos de Campinas (SP), representando 22,6% do total em 2024. Apesar disso, a metrópole não registrou nenhuma adoção nesta faixa etária no ano passado, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Em contrapartida, as crianças de 0 a 3 anos, que eram minoria entre os 384 acolhidos em abrigos, com 13,5%, são a maior parcela entre os adotados no ano passado. Dos 32 meninos e meninas que ganharam uma nova família, 14 faziam parte desse grupo (veja os gráficos abaixo).

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A diferença entre o perfil esperado por quem quer adotar e o das crianças que esperam pela adoção também impacta na fila. Em maio de 2025, a metrópole tinha 14 aptos e 251 famílias inscritas no Sistema Nacional de Adoção (SNA), número 17 vezes maior.

De acordo com o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), a discrepância ocorre porque, em regra, a maioria dos adotantes se interessa por crianças pequenas e sem deficiência, o que não condiz com a realidade dos acolhidos.

"[Os acolhidos] são crianças maiores ou que fazem parte de grupos de irmãos ou que possuem alguma deficiência. Então, existe uma incompatibilidade entre as crianças reais (aptas para a adoção) e as crianças desejadas e idealizadas", completou o órgão em nota.

Quem são as crianças e adolescentes acolhidos

O levantamento revela que a maioria dos acolhidos em Campinas (SP) no ano passado era do sexo masculino (52,2%). Já com relação à cor da pele, 16,1% dos jovens eram declarados negros (soma entre pretos e pardos), 9,6% eram brancos e mais de 74,2% não tiveram a informação registrada.

A maior parcela estava abrigada a um período menor do que um ano. No entanto, 165 jovens vivia em situação de acolhimento há mais tempo, sendo 8,8% a um período superior a três anos. Segundo o CNJ, 214 tinham pelo menos um irmão ou irmã, dos quais 13,5% tinham quatro ou mais.

Os dados também detalham a condição de saúde dos acolhidos. Do total, 18 tinham alguma doença detectada, 13 eram diagnosticados com alguma deficiência intelectual e 2 eram, ao mesmo tempo, pessoas com deficiências física e mental.

Quem são as crianças e adolescentes adotados

O balanço do CNJ sobre os meninos e meninas adotados não traz detalhes sobre tempo de acolhimento, doenças, deficiências ou irmãos.

No entanto, aponta que em 2024 a 17 eram meninas, contra 15 meninos. Além disso, 20 eram negros (incluindo pretos e pardos), enquanto 12 eram declarados brancos.

Idealização das famílias não condiz com a realidade

A pós-doutora em serviço social pela PUC-SP e docente da PUC-Campinas, Fabiana Aparecida de Carvalho diz que a idealização das famílias que decidem adotar, muitas vezes, não está de acordo com a realidade dos serviços de acolhimento. Esse é um cenário presente não apenas na metrópole, mas em todo o país, e que está intrinsecamente ligado a expectativas pessoais e, inclusive, sociais.

“Os pretendentes imaginam que quanto mais nova a criança, menos memória ela vai ter de possíveis violências, traumas vivenciados, então, assim, entre aspas, né, muitas vezes a expectativa ou a fantasia de quem vem adotar é que essa criança não vai trazer tanta memória, portanto, é quase que, entre aspas, começar quase do zero com essa criança”.

Por outro lado, quanto mais velha a criança, acredita-se que mais memórias de traumas e violência ela terá e levará para a nova família. Além disso, ela lembra que bebês tendem a gerar uma mobilização social maior: eles são fofos, chamam a atenção e todo mundo quer pegar no colo, diferentemente do adolescente, que é visto como “rebelde”.

“Quando você aparece com uma criança mais velha ou até uma adolescente, via de regra, já não são crianças que mobilizam a família e a comunidade. São crianças que correm, que gritam, que podem quebrar as coisas. São crianças que já desobedecem. É muito aquilo do filho que se idealiza”, destaca Fabiana.

A consequência desse comportamento dos adotantes reflete na mentalidade e na saúde emocional dos jovens que esperam conquistar uma família. “nos relatos dos adolescentes que ainda não foram adotados a gente vê uma descrença muito grande [...] o sentimento que fica é: ‘eu fui rejeitado’, por muitos deles”, reflete a especialista.

Todos são dignos de amor

Fabiana defende que, ao optar pela adoção, os pretendentes reflitam sobre a realidade que leva as crianças aos abrigos. Para ser retirada da biológica, muitas vezes, as crianças enfrentaram vulnerabilidades que vão desde a negligência até a violência literal. Querendo ou não, todos carregam uma bagagem, mas isso não os faz menos capazes de amar ou serem amados.

“Ela só fica disponível para adoção porque a família de origem não conseguiu, por vários motivos, garantir os cuidados básicos. A gente tem de tudo, desde aquelas famílias que, infelizmente, têm uso abusivo de substância psicoativa, você tem crianças que passaram por violência severa, você tem de tudo, você tem as mães que podem entregar logo quando a criança nasce”.

“Se você fala [para o adotante] que a criança tem algum episódio de crise de ansiedade, de raiva, que qualquer criança pode ter, muitas vezes ele volta atrás, sabe? Fala: ‘ah, não, acho que eu vou pensar mais um pouco, vou preferir ouvir a história de outra criança’. Assusta muito. Mas um filho biológico também pode ter crise de ansiedade, pode ter um tanto de coisas. Não é um bonequinho”.

Quem entra no cadastro de adoção, segundo a especialista, deve encarar o processo com maturidade. Fabiana reforça que as expectativas e exigências dessas pessoas são legítimas, mas ter um filho será sempre desafiador, seja ele biológico ou adotivo. Ter isso em mente é essencial para evitar novos traumas e criar um ambiente saudável.

“Eu acho que o mais importante é saber que são crianças e adolescentes reais, assim como todos os outros, assim como os filhos biológicos. Eles não são ideais ou perfeitos. Quem quiser adotar, que pense. Vai oferecer e construir pra essa criança e pra esse adolescente, a condição de filho, não de boneco, não de alguém que vai lhe ter gratidão. Vai ser filho”.

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