Benefício é dado pelo governo para pessoas que cometeram crimes; medida funciona como espécie de 'perdão' e impede que elas sejam punidas. Cerca de 80 foram concedidas desde independência. Ato pela anistia na ditadura militar na Praça da Sé, em São Paulo.
Ennco Beanns/Arquivo Público de São Paulo
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A anistia é um benefício concedido pelo governo a pessoas que cometeram crimes. A medida, que funciona como uma espécie de "perdão", impede que elas sejam punidas.
👉 O tema ganhou destaque no cenário atual, a partir da proposta de anistiar os envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023.
Segundo a Agência Senado, cerca de 80 anistias já foram concedidas no Brasil, desde a independência do país. Uma das mais conhecidas é a da ditadura militar, a Lei da Anistia de 1979 (veja mais abaixo quatro momentos em que a anistia aconteceu no Brasil).
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Segundo Cristiano Paixão, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), a necessidade de anistias é uma avaliação que depende do contexto político de cada época. Ele lembra que a anistia é uma modalidade de extinção da punibilidade.
"Em regra se aplica em momentos de pacificação da comunidade política após algum tipo de conflito, revolta ou reivindicação dirigida contra o Estado", diz o professor.
🔎 Cristiano Paixão destaca que existem muitas variações no conceito de anistia. Uma delas é a anistia como reconhecimento, ou seja, como forma de restituir direitos anteriormente negados.
O professor diz ainda que não há um momento específico que determine quando uma anistia deve ser concedida, "mas ela pressupõe o reconhecimento de uma excepcionalidade na vida política de uma dada comunidade".
Apenas a União pode conceder anistia e, em um Estado Democrático de Direito (como é o caso do Brasil), essa atribuição pertence ao Congresso Nacional.
"Como qualquer ato estatal, uma anistia pode ser revista ou anulada pelo próprio agente que praticou o ato, assim como também pode ser objeto de declaração de inconstitucionalidade pelo Poder Judiciário", explica Cristiano Paixão.
Quatro momentos em que houve anistia no Brasil
1) Independência do Brasil
‘Símbolos da Independência’: saiba como foi o grito do Ipiranga e como ficou o Brasil após a separação de Portugal
Logo após a sua independência, em 7 de setembro 1822, o Brasil concedeu anistia para pessoas que defendiam que o país continuasse sob o domínio de Portugal. Por meio de um decreto de 18 de setembro de 1822, o imperador Dom Pedro I perdoou quem teve opiniões políticas contrárias à independência, com exceção àqueles que já estavam presos.
👉 Mas a medida colocava uma possível punição: quem continuassem contra o novo sistema do Brasil deveria deixar o país. Poderia ainda ser processado e "punido com todo o rigor".
2) Questão religiosa
Charge de Bordalo Pinheiro de 1875 fazendo referência à anistia dos bispos. A legenda original era: "Afinal, deu a mão à palmatória".
Bordalo Pinheiro/reprodução
A Questão Religiosa aconteceu na década de 1870. Foi um conflito entre a igreja católica e o governo imperial brasileiro, causado por discordâncias entre ambos.
A igreja proibiu, por exemplo, que fiéis ligados à maçonaria ocupassem cargos religiosos. O governo imperial tinha forte influência maçônica e considerou a decisão uma afronta, e chegou a prender bispos.
O império acabou "perdendo força" no conflito e Dom Pedro II concedeu anistia para os religiosos envolvidos, por meio do Decreto 5.993, de 17 de setembro de 1875.
3) Revolta da chibata
Encouraçado São Paulo dominado pelos revoltosos.
reprodução
A Revolta da Chibata aconteceu em 1910, período da pós-abolição da escravatura. Foi um motim de marinheiros, na maioria negros, contra a aplicação de castigos físicos, como chibatadas, e as péssimas condições de trabalho na Marinha.
O líder da revolta foi João Cândido Felisberto, o Almirante Negro. Com apoio de 2 mil marinheiros, os revoltosos tomaram o controle de embarcações da Marinha, no Rio de Janeiro – então capital do país.
Eles fizeram os oficiais reféns e até executaram alguns. Os marinheiros ainda apontaram os canhões dos navios para a cidade.
A revolta acabou quando o presidente da época, Hermes da Fonseca, proibiu castigos físicos na Marinha e assinou o Decreto 2.280, de 25 de novembro de 1910, que deu anistia para os revoltosos.
👉 Mas essa anistia foi vista como "enganosa" pelos marinheiros, já que a Marinha demitiu todos os homens tidos como "indisciplinados" e realizou prisões.
O líder João Cândido foi expulso da Marinha, passou anos na cadeia e em um manicômio. Após ser solto, ele virou comerciante e viveu na pobreza.
"Naquele contexto de república oligárquica, não é de surpreender que a população mais pobre e vulnerável fosse vítima da repressão estatal, mesmo com uma anistia aprovada", diz o professor Cristiano Paixão.
4) Ditadura militar
Há exatos 40 anos, terminava a ditadura militar e iniciava-se a redemocratização do Brasil
A ditadura militar no Brasil aconteceu entre 1964 e 1985. Durante o regime, não houve eleição direta para presidente, o Congresso Nacional chegou a ser fechado, mandatos foram cassados, houve censura à imprensa e centenas de pessoas foram torturadas, mortas, ou desapareceram.
A anistia concedida durante a ditadura é uma das mais conhecidas no país. Se trata da Lei da Anistia de 28 de agosto de 1979 – promulgada antes do fim do regime, graças a pressão popular. A norma, assinada pelo presidente João Baptista Figueiredo e aprovada pelo congresso, concedeu perdão para:
perseguidos políticos;
pessoas que se opuseram ao regime;
exilados e banidos;
réus que tinham processos nos tribunais militares;
"Ela nasce de uma demanda da sociedade civil, das vítimas e de seus familiares, que procuravam obter o cancelamento das punições aplicadas pelo regime militar a todos os que resistiram à ditadura", aponta o professor Cristiano Paixão.
👉 A lei também gerou controvérsias por perdoar crimes graves cometidos pelos próprios militares, uma espécie de "autoanistia".
O professor Cristiano Paixão explica que o desvirtuamento da lei aconteceu com o dispositivo que permitia que fossem anistiados crimes "conexos" aos crimes políticos;
Setores do governo e do judiciário interpretaram que todos os atos praticados pelos agentes do regime estavam protegidos pela anistia.
Cristiano Paixão diz que essa interpretação "é muito controvertida e bastante frágil" porque, após a Lei da Anistia, entrou em vigor a Constituição de 1988, "que reconhece como atos de exceção aqueles praticados durante o regime e concede anistia política aos perseguidos, inclusive com medidas de reparação".
🔎 Além disso, a Corte Interamericana de Direitos Humanos decidiu que a Lei da Anistia não é aplicável para o processamento e julgamento de crimes contra a humanidade.
"A decisão proferida pelo STF em 2010, reconhecendo efeitos à Lei da Anistia, precisa ser imediatamente revista, considerando a clara jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos", diz o professor de direito.
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