'Viver o medo: uma novela pornô-gourmet' será publicado pela Companhia das Letras, mas ainda não há data para o lançamento. Cineasta morreu neste sábado (12), em São Paulo, em decorrência de um AVC. Jean-Claude Bernardet, cineasta, professor e crítico de cinema, morre em SP
Lívia Machado/G1
Aos 88 anos, o cineasta, escritor, professor e crítico de cinema Jean-Claude Bernardet, que morreu neste sábado (12), em São Paulo, em decorrência de um AVC, estava em plena atividade intelectual. Como última contribuição, ele entrou os manuscritos do livro inédito "Viver o medo: uma novela pornô-gourmet", que será publicado pela editora Companhia das Letras.
O anúncio da publicação da última obra do cineasta foi feito neste sábado (12) nas redes sociais da editora. A data do lançamento, no entanto, não foi informada.
No texto, o editor e um dos fundadores da Companhia das Letras, Luiz Schwarcz, afirmou que a vida de Bernardet na arte foi marcada por "transgressões ininterruptas e lutas contra todas as doenças possíveis com força incomum".
"'Viver o medo’, com título muito sugestivo, está para sair. É fantástico. Ao entregá-lo, disseram a nós que já estavam elaborando o próximo. Ao saber que escrevi um livro sobre a minha depressão, Jean-Claude encomendou que um amigo lesse e gravasse o livro para que ele pudesse ouvi-lo. Quase cego já não conseguia ler. Tristeza profunda é o que sinto", escreveu Schawarcz.
Com co-autoria da escritora Sabina Anzuategui, o livro aborda temas ligados ao medo e experiências pessoais e culturais, com uma abordagem literária que mistura gêneros e estilos.
Esse não será o primeiro livro do pensador. A produção do cineasta contempla títulos de referência, como "Cinema brasileiro: proposta para uma história", "Cineastas e imagens do povo" e "Brasil em tempo de cinema".
Além disso, há ensaios importantes como "A doença, uma experiência" e "O corpo crítico", onde ele discute seu diagnóstico soropositivo e a decisão de não tratar um câncer.
O velório será realizado neste domingo (13), na Cinemateca Brasileira, entre 13h e 17h, instituição na qual o cineasta foi um dos parceiros fundamentais durante a vida.
Quem foi Jean-Claude Bernardet
Nascido na Bélgica e de família francesa, Bernardet passou a infância em Paris e veio para o Brasil aos 13 anos, onde se naturalizou brasileiro.
Ele estava internado no Hospital Samaritano, na capital, e de acordo com documentos obtidos pela TV Globo, a causa da morte foi um Acidente Vascular Cerebral (AVC).
Professor emérito na Universidade de São Paulo (USP), Bernardet é reconhecido por ser um dos nomes fundamentais na crítica cultural brasileira. Ele morou por anos no topo do Edifício Copan, no Centro.
Como professor, Bernardet influenciou diretamente a produção e o estudo do cinema no Brasil, contribuindo para o cinema ser entendido como prática artística, política e social. Além disso, alavancou a arte para o campo acadêmico, político e cultural.
Nas redes sociais, escritores, artistas e intelectuais brasileiros lamentaram a morte do cineasta. A antropóloga, historiadora, professora da USP Lilia Schwarcz, imortal da Academia Brasileira de Letras, escreveu que "numa época em que tudo virou superficial e sem espaço, Jean-Claude fez outra escola".
"Morreu o Jean-Claude Bernardet, esse ícone da crítica de cinema, numa época em que existia esse gênero (a crítica) e que ele era levado a sério."
Função social do cinema
A obra do cineasta também discutiu a estética e a função social do cinema, especialmente em relação à produção nacional-popular e às tensões entre arte e mercado.
Para ele, o cinema não funciona somente como uma arte estética, mas como um instrumento de intervenção política e social. Ou seja, o cinema deveria dialogar diretamente com a realidade brasileira, refletindo e questionando as estruturas sociais, políticas e econômicas do país — em especial as contradições da classe média e a ausência de um cinema popular genuíno.
Bernardet criticava o uso recorrente da miséria como tema estético em documentários. Em diversas entrevistas, como à revista da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), o cineasta argumentava que essa abordagem, quando estetizada, despolitiza a questão social e cria um discurso de consenso que não provoca mudanças reais.
Na obra de Bernardet, se destacam filmes que ele co-roteirizou como:
O caso dos irmãos Naves (1967)
Brasília: contradições de uma cidade nova (1968)
Um céu de estrelas (1995)
Ele também co-dirigiu títulos como:
Paulicéia fantástica (1970)
Eterna esperança (1971)
Além disso, atuou em Filmefobia (2009), Periscópio (2013), Fome (2015), entre outros. A trajetória como pesquisador reúne dois ensaios poéticos dirigidos por ele: São Paulo, Sinfonia e Cacofonia (1994) e Sobre Anos 60 (1999).
Em dezembro de 2023, a Cinemateca Brasileira, que abriga o maior acervo cinematográfico da América do Sul, exibiu uma seleção de seis filmes dele com curadoria do próprio cineasta.