Líderes comunitários, representantes da prefeitura, do MP-AC e políticos se reuniram na Aleac nesta quinta-feira (29) para debater do Centro POP. Ânimos se exaltaram entre o secretário de Assistência Social e Direitos Humanos (Sasdh), João Marcos Luz, e o presidente da Associação de Moradores do Preventório, Edmilson Soares. Secretário discute com representante de moradores em audiência pública no Acre
A mudança do Centro de Referência Especializado para Pessoas em Situação de Rua (Centro POP), para o bairro Castelo Branco, alvo de polêmica e protestos, foi pauta de uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Acre (Aleac) na manhã desta quarta-feira (29).
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Durante o encontro, os ânimos se exaltaram entre o secretário de Assistência Social e Direitos Humanos (Sasdh), João Marcos Luz, e o presidente da Associação de Moradores do Preventório, Edmilson Soares. (Veja vídeo acima).
A discussão ocorreu quando o líder comunitário falava sobre as reclamações de idosos e demais moradores que comem no Restaurante popular. Segundo ele, as pessoas em situação de rua estão desrespeitando os idosos que vão ao local diariamente.
"Tem pessoas da minha rua que são aposentadas e chegam às 8 horas em frente ao Restaurante Popular e o alimento é servido às 11h30. Elas ficam lá interagindo, conversando, jogando dominó. Eu fui na quinta [22] e estava a maior confusão. Os idosos na fila com o ticket na mão, mas os moradores em situação de rua passava e pegava a marmita. Nem respeitar os idososestão respeitando lá", relatou ele.
Edmilson representante dos 22 presidentes de bairros da Baixada
Sérgio Vale/Aleac
Nesse momento os ânimos ficaram exaltados e foi possível ouvir gritos do secretário contestando a fala do morador. João Marcos Luz chegou a chamar o líder comunitário de mentiroso. "Você é um mentiroso, está faltando com a verdade. Respeita", acusou o secretário.
Edmilson, contudo, voltou a afirmar que presenciou a cena narrada anteriormente. "Isso é uma falta de respeito. A gente estava lá na frente. Eu presenciei. Secretário você respeita as pessoas, eu estou falando e o cara tá me interrompendo", lamentou.
O presidente alegou ainda que tentou conversar com o presidente da Câmara de Vereadores e com o secretário João Marcos Luz quando soube que o Centro POP seria transferido para a Baixada da Sobral.
"O senhor vai causar um transtorno tão grande levando o Centro Pop para a Baixada e espero que o senhor não seja responsabilizado por isso. Estamos acampados há 15 dias em frente ao Centro Pop esperando o senhor, esperando pelo prefeito e nenhum de vocês teve coragem de chegar lá para conversar com os moradores", afirmou ele.
Audiência Pública debate transferência do Centro POP para o bairro Castelo Branco
Sérgio Vale/Aleac
Comunidade insatisfeita
Outro morador que reclamou da mudança foi Thales Felipe, morador do bairro Castelo Branco. Ele questionou a ausência do secretário na comunidade e cobrou informações técnicas sobre a legalidade do novo espaço.
O morador destacou que já integrou a equipe do Centro POP em 2017 e relembrou que o local já enfrentava resistência em outros bairros.
“Gostaria de saber se o Corpo de Bombeiros já liberou o alvará para aquela casa, que é uma residência e passará a funcionar como unidade de atendimento, o que exige saídas de emergência e sinalização adequada. Além disso, o imóvel apresenta diversas rachaduras e fica em uma área de barranco, o que levanta sérias questões estruturais”, questionou ele.
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O presidente do bairro João Eduardo II, Nonato Paiva, afirmou que instalação da unidade em um bairro residencial pode gerar mais estigmatização às pessoas em situação de rua. “Se aqui no Centro essas pessoas já não eram bem vistas, imagine em um local afastado. Elas podem acabar ainda mais marginalizadas, quando o objetivo deveria ser justamente o acolhimento e a reintegração social”, afirmou.
Sorriso, presidente do Movimento em Defesa Vidas da Rua, expôs que apoia a transferência do Centro POP, porém, criticou a forma como a unidade é gerenciada atualmente. "Hoje, 30 pegam marmita, outros 30 não. Isso não é dignidade. Não é esse Centro POP que queremos. Nosso objetivo é garantir que essas pessoas não continuem sendo humilhadas. Precisamos de um serviço que acolha de verdade”, disse.
Sorriso, presidente do Movimento em Defesa Vidas da Rua
Sérgio Vale/Aleac
Secretário afirma que cumpre decisão judicial
Ainda durante a audiência, João Marcos Luz voltou a afirmar que cumpre uma decisão da Justiça no ao transferir o Centro POP da área central da cidade. “O MP está cumprindo seu papel e é bom ver que está atuando. Não podemos nos esconder. Precisamos enfrentar juntos os problemas da nossa única casa: Rio Branco.”
Na sequência, o secretário rebateu críticas sobre a forma como a mudança do Centro POP ocorreu e elogiou a equipe envolvida no processo. “Fizemos a mudança fora do horário de expediente, após as 17 horas porque trabalhamos. Nossa equipe é formada por servidores concursados, comprometidos. Eles ficaram até duas horas da manhã sem receber hora extra para garantir a transferência da unidade, que é uma das mais importantes para a população de Rio Branco”, declarou.
Durante a audiência, o deputado Adailton Cruz perguntou ao secretário se havia a possibilidade da prefeitura voltar atrás e alugar outro local em outro lugar.
"Nos próximos 12 meses, jamais. Estamos fazendo uma reunião e a gente pode fazer mais 50 [reuniões] vocês não vão querer [aceitar a mudança]. Então, não é falta de diálogo, é que as pessoas não querem", enfatizou João Marcos Luz.
A iniciativa do debate foi do deputado Adailton Cruz (PSB) e teve a participação de representantes dos bairros e autoridades. O objetivo era ouvir os representantes do poder público, lideranças comunitárias e entidades da sociedade civil sobre os impactos e desafios da mudança.
Ao final da audiência, o secretário firmou um acordo com os representantes da comunidade a não distribuir mais alimentação e nem permitir que as pessoas em situação de rua durma no Centro POP.
Secretário João Marcos Luz afirmou que Centro Pop irá continuar no local por pelo menos 12 meses
Sérgio Vale/Aleac
MP defende mudança
O promotor de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania do Ministério Público do Acre, Thales Ferreira, reforçou que o MP atua em defesa da população em situação de rua e que o objetivo é garantir a aplicação da Política Nacional para a População em Situação de Rua, criada em 2009.
“Estamos aqui para ouvir tanto as pessoas em situação de rua quanto os moradores do bairro Castelo Branco. O Centro POP não é um lugar para dormir ou apenas para distribuição de marmitas. Trata-se de um centro de referenciamento, onde essas pessoas são acolhidas, ouvidas e encaminhadas para serviços de saúde, retirada de documentos, tratamento ou reinserção no mercado de trabalho”, argumentou.
O promotor explicou que a a antiga estrutural impedia a escuta qualificada da pessoa em situação de rua e a busca ativa por vínculos familiares. Ele garantiu que o MP continuará fiscalizando o cumprimento da decisão judicial que determinou não apenas a mudança de local, mas a estruturação completa da rede de atendimento.
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“Não se trata apenas do Centro POP, mas também de residências terapêuticas, casas de passagem, casas de acolhimento e a criação de um fluxo que garanta a segurança dessas pessoas. O Tribunal de Justiça concedeu 180 dias para que esse plano seja construído e estaremos atentos a cada etapa". complementou.
Ao final, Thales fez um apelo aos moradores do bairro Castelo Branco e pontou que na concepção do órgão há mais vantagens do que desvantagens na mudança. "Não estamos transferindo problema de lugar. A escolha é técnica. O local fica próximo de hospital, UPA, escola com EJA, restaurante popular, delegacia, quadra esportiva. Rio Branco deveria ter cinco Centros POP e dois consultórios de rua. Não tem nenhum disso", concluiu.
Mudança
Em abril deste ano, a Sasdh de Rio Branco iniciou os estudos para mudar o Centro POP, que funcionava no Centro da capital acreana, para outro endereço.
Conforme a pasta, a troca de endereço era necessária porque a estrutura do prédio não conseguia mais fazer os atendimentos, além das constantes reclamações de comerciantes sobre vandalismo e furtos na região.
Aviso comunicou mudança de endereço do Centro POP, em Rio Branco
Eldérico Silva/Rede Amazônica Acre
A Sasdh afirmou fazer estudos para avaliar para onde o espaço deveria ser transferido. Um dos locais era a região da Baixada da Sobral. O secretário João Marcos Luz ainda citou que a mudança poderia ser feita para a região do Bosque, Floresta ou Castelo Branco.
A presidente da Associação Comercial do Acre (Acisa), Patrícia Dossa, declarou que o órgão apoiou a decisão da Prefeitura de Rio Branco de transferir o Centro Pop para outro local da cidade, mas entende o receio de quem ficará perto da unidade.
Manifestação
Ainda na fase de estudos, quando a prefeitura evitava confirmar o novo endereço, os moradores da Baixada da Sobral começaram a manifestar insatisfação com a possibilidade -- que acabou se concretizando -- da chegada do Centro POP. O comerciante Afonso Gomes tem um comércio na região e achava inadequada a decisão.
"Eu acho que tinha que procurar um lugar mais adequado. Aqui não é adequado para vir o Centro Pop. Nós fizemos um abaixo-assinado de quase 500 assinaturas e já mandei para a Câmara e para a assembleia, porque se vier pra cá não vai dar pra trabalhar aí eu não sei o que fazer", declarou ele ainda em abril.
No dia 16 de maio, um protesto contra a mudança de endereço fechou o trânsito na entrada de uma ladeira na Rua Bola Preta, bem próximo da nova sede do centro.
Mudança do Centro POP durante a madrugada revolta moradores do bairro Castelo Branco
Três dias depois, os manifestantes fecharam a Rua Rio de Janeiro, no bairro Mascarenhas de Moraes, vizinho ao Castelo Branco e à Baixada. Até essa data, a prefeitura ainda não confirmava a nova localização, e afirmava avaliar possíveis imóveis.
O local foi definido e um contrato de aluguel de R$ 6,2 mil mensais foi publicado no Diário Oficial do Estado (DOE) de terça-feira (20), porém, sem revelar o local. A mudança iniciou ainda na terça, durante o dia e se estendeu pela madrugada de quarta (21), para a Rua Bola Preta, N.º 105, Conjunto Castelo Branco.
Para os moradores, a mudança durante a madrugada tratou-se de uma tática da gestão para escapar de protestos.
Já o secretário negou que a mudança na madrugada tenha sido para esconder a movimentação, mas sim para garantir o funcionamento do órgão, que inicia às 7h.
Centro POP
Antiga sede do Centro POP tem aviso na fachada sobre novo endereço
Eldérico Silva/Rede Amazônica Acre
Atualmente, o local atende mais de 600 pessoas em situação de rua cadastradas e trabalha com o encaminhamento para unidades de saúde, atendimento psicossocial e direcionamento para entidades que auxiliam na recuperação do vício em álcool e drogas.
Conforme João Marcos Luz, o objetivo do órgão é buscar a retomada do convívio familiar desse público, e tentar a garantia de moradia.
De acordo com o Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua com base em dados de 2012 a 2021, na capital acreana existem 28 pessoas em situação de rua por 100 mil habitantes. Dessa população, a maioria está na faixa etária dos 30 aos 60 anos.
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