Balanço foi de mais de 1.593 consultas, 2.452 procedimentos odontológicos, 3.659 exames e 196 cirurgias, totalizando 10.628 atendimentos em saúde. Além de atendimentos, barco-hospital leva presença e humanidade à comunidade ribeirinha
O barco-hospital São João XXIII, criado a partir de um pedido do papa Francisco, não levou apenas seringas, exames, prontuários médicos e remédios gratuitos, mas também escuta, presença e humanidade à comunidade ribeirinha de Novo Remanso, no distrito de Itacoatiara (AM).
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O projeto, que surgiu de uma ideia do frei Francisco Belotti, presidente da Associação e Fraternidade São Francisco de Assis na Providência de Deus, com sede em Jaci (SP), atendeu ao pedido feito pelo papa durante visita ao Brasil em 2013.
A embarcação, adaptada com consultórios, laboratório, farmácia e centro cirúrgico, viajou por oito horas de Manaus (AM) até a comunidade de 15,8 mil habitantes. Ao final da expedição, o balanço foi de mais de 1.593 consultas, 2.452 procedimentos odontológicos, 3.659 exames e 196 cirurgias, totalizando 10.628 atendimentos em saúde. Veja mais fotos das ações do barco no fim da reportagem.
Barco-hospital São João XXIII, adaptado com consultórios, laboratório, farmácia e centro cirúrgico, finalizou a expedição em Itacoatiara (AM)
Desirèe Assis/g1
Os atendimentos ocorreram do dia 17 ao dia 25 de abril deste ano e foram acompanhados por equipes do g1 e da TV TEM.
A equipe, formada por 21 voluntários dos quatro cantos do país e 55 funcionários fixos, da limpeza, cozinha e enfermeiros, deixou muitos corações aliviados ao oferecer atendimento de saúde de qualidade, algo que, por ali, parece ser luxo, uma vez que os pacientes aguardam anos por um exame.
Foi ali, longe de casa, da família e dos amigos, que alguns reencontraram o que a rotina havia apagado: o porquê de escolherem cuidar. Não apenas com ofício, a medicina e a odontologia, por um momento, são a missão.
Cada sorriso devolvido após uma consulta, cada dor crônica aliviada, cada gesto de gratidão são motivos suficientes para que o médico radiologista Flávio Caldas, de São José do Rio Preto (SP), resolvesse voltar, pela quarta vez, à expedição dos freis de Jaci.
“Cada vez que um paciente sai daqui e ele fala para mim ‘Deus te abençoe’ é realmente uma chuva de bençãos que eu recebo. Então essa gratidão deles é muito forte, muito ostensiva e a gente percebe isso a cada atendimento”, comenta Flávio.
A Floresta Amazônica tem sons que não se ouvem na cidade - e silêncios que dizem mais do que palavras. Durante a expedição, foram esses sons e silêncios que tocaram o médico clínico geral e socorrista do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) Arlei Sebastião Xavier, de Jundiaí (SP).
Pela primeira vez na expedição, contou que reencontrou o sentido do cuidado, longe dos hospitais lotados e dos plantões cronometrados. Mais do que lembranças, na mala ele trouxe o plano de voltar.
“O que eu saio de aprendizado enorme é que a gente veio aqui e aprendeu muito mais do que pôde ajudá-los. Cada pessoa que passou por aqui eu levo uma nova missão e a gente quer voltar. Agradecer sempre, esse é o aprendizado que eu levo. A gente é muito privilegiado”, se emociona Arlei.
À medida que os dias passavam, os atendimentos deixavam de ser apenas procedimentos. Viravam encontros. A cada gesto, os voluntários compreendiam que curar vai além do diagnóstico: é ouvir, acolher e estar presente.
Longe da correria na cidade, a cirurgiã-dentista Julia Miranda Mota, de Santarém (PA), descobriu o que o tempo e a pressa a haviam feito esquecer: que ser profissional da saúde é, antes de tudo, se deixar tocar.
“Você já sai querendo voltar, você já sai de uma missão querendo vir em outra. É uma experiência, você se sente completo, é uma coisa que na cidade a gente não sente. Uma coisa que te enche por dentro, te deixa feliz, mesmo a gente que ficou até tarde trabalhando, você se sente satisfeito, sente que mudou a vida de alguém”, se emociona.
Barco-hospital criado a partir de pedido do papa Francisco termina missão no Amazonas
Mais do que restaurar dentes, o trabalho de Júlia e dos demais dentistas trouxe alegria de volta para quem tinha vergonha de sorrir. Entre eles, o paciente Josafá Lima, de 17 anos, que procurou o barco-hospital para fazer a restauração dos dentes, tomados pela cárie.
“Muito obrigado, eu esperei muito tempo por isso, eu ficava triste com o sorriso. Agradecer a todos, muito obrigado, trouxe minha felicidade de volta que é o sorriso”, agradece Jeosafá.
O olhar de gratidão de quem é atendido no barco-hospital diz muito sobre a conexão humana que acontece no lugar. E foi com esse olhar, dessa vez renovado graças ao projeto, que Ana Lúcia voltou a enxergar a vida de outra forma.
Isso porque a paciente tinha uma pinta incomum nos olhos, que poderia evoluir para um melanoma (câncer no olho). Angustiada e com vontade de ter a autoestima devolvida, pediu que o cirurgião-oftalmológico Fernando fizesse a retirada.
“Eu pedi para ele, porque se Deus lhe colocou na minha vida é porque o senhor tem essa missão. E ele por piedade, por amor ao trabalho dele, sentindo a necessidade das pessoas que estão aqui, disse ‘vou fazer a cirurgia’, e no outro dia eu vim fazer”, conta Ana.
O coração aflito da Rayssa da Silva Santos Dias também voltou para casa um pouco mais aliviado. Ela trouxe o pequeno Davi, que tem uma síndrome rara que causa feridas na pele, na esperança de conseguir medicações para amenizar a dor do filho.
Ao conversar com a reportagem, não escondeu a emoção de receber pomadas e cremes que ajudam na hidratação da pele.
“Fomos bem atendidos, a doutora deu outras opções de tratamento, tanto para tomar medicações quanto para hidratar o corpo dele e a gente conseguiu medicações também, até porque o creme dele é super caro e ela deu um creme que vai ajudar bastante”, celebra a mãe.
A expedição do barco-hospital em Novo Remanso terminou, mas algo ali ficou. E o que faz cada expedição única?
Nos corações dos pacientes, o coordenador das atividades, frei Alberto, enfatiza que guardam a lembrança de que o barco é a esperança de um atendimento médico digno, de qualidade e ágil: um divisor de águas, com a certeza de que não foram esquecidos.
"Muitas vezes é a primeira vez que eles estão tendo contato direto com médicos, raio-X, mamografia. O barco deixa uma marca na vida das pessoas, marca de amor, de atenção e carinho. O barco é único na vida delas, onde podem ter um atendimento humanizado. O Amazonas não é mais o mesmo sem o barco-hospital e vice-versa. Um complementando o outro, a serviço da vida", reforça o frei.
E nos voluntários, a lembrança viva de que é possível levar esperança para quem passa anos em uma fila e muitas vezes desacredita da cura: é o menino que agradece com um desenho, a idosa que oferece frutas como pagamento, o pescador que volta a sonhar com dias sem dor.
Segundo ele, a expedição é única para cada médico porque, embora os instrumentos sejam os mesmos, os laços criados são sempre novos.
Projeto não para
Expedição do barco hospital São João XXIII dos freis de Jaci termina após mais de 10 mil atendimentos
Atualmente, são três barcos-hospitais atendendo comunidades ribeirinhas na região norte: João Paulo II, São João XXIII e Papa Francisco. As expedições são feitas ao mesmo tempo, sendo duas por mês, uma no Pará e outra no Amazonas, oferecendo atendimento médico, odontológico, de enfermagem e cirurgias.
O projeto não para e, até esta sexta-feira (16), cumpre a missão em Urucurituba (AM), com 24 mil habitantes, a quase 200 quilômetros de distância de Manaus.
Lá, outra comunidade à margem do acesso pleno à saúde será atendida com consultas médicas, odontológicas, exames, orientações e, principalmente, presença. Para os voluntários, é mais uma oportunidade de levar cuidado e voltar com histórias que marcam para sempre.
Médico radiologista Flávio Caldas, de São José do Rio Preto (SP), em expedição no Amazonas
Desirèe Assis/g1
Clínico-geral e socorrista do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), Arlei Sebastião Xavier, em atendimento no barco-hospital em Itacoatiara (AM)
Desirèe Assis/g1
Cirurgiã-dentista Julia Miranda Mota, de Santarém (AM), em atendimento no barco-hospital em Itacoatiara (AM)
Desirèe Assis/g1
Paciente Josafá Lima, de 17 anos, que procurou o barco-hospital em Itacoatiara (AM) para fazer a restauração dos dentes
Francisco Braúna/TV TEM
Ana Lúcia fez a remoção de uma pinta no olho no barco-hospital em Itacoatiara (AM)
Francisco Braúna/TV TEM
Ana Lúcia tinha uma pinta incomum nos olhos, que poderia evoluir para um melanoma (câncer no olho) e fez a remoção no barco-hospital em Itacoatiara (AM)
Francisco Braúna/TV TEM
Rayssa da Silva Santos Dias levou Davi para passar por atendimento no barco-hospital em Itacoatiara (AM)
Francisco Braúna/TV TEM
Coordenador das atividades, frei Alberto, representa a associação de Jaci (SP)
Francisco Braúna/TV TEM
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