Empresas exigiam que o smartphone fosse dado como garantia para empréstimos e obrigavam o consumidor a instalar um aplicativo que bloqueia várias funções em caso de não pagamento das parcelas. Método foi considerado ilegal.
Unsplash
A Justiça proibiu que financeiras ofereçam empréstimos com o celular como garantia e declarou ilegal o bloqueio remoto dos aparelhos em caso de inadimplência. A decisão foi anunciada na última quinta-feira (8) pela 2ª turma cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT).
O julgamento foi unânime, tem efeito imediato e repercussão em todo o território nacional. A decisão foi uma resposta à ação coletiva realizada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) em conjunto com o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).
A ação teve como alvo duas empresas específicas: a SuperSim e a Socinal — financeiras voltadas para o público de baixa renda que oferecem empréstimos com celular como garantia.
Segundo o Idec, essas empresas exigem que, ao assinar o contrato de empréstimo, o consumidor instale um aplicativo específico em seu celular. Esse aplicativo teria a função de bloquear várias funções em caso de não pagamento das parcelas.
Além de proibir que as empresas exijam a instalação do aplicativo, o TJDFT determinou que esses aplicativos sejam retirados das lojas virtuais no prazo de 15 dias, sob pena de multa diária de R$ 100 mil, e indicou que uma multa de R$ 10 mil será aplicada para cada novo contrato firmado com cláusula semelhante.
O Tribunal entendeu que a prática ofende direitos fundamentais dos consumidores, especialmente o direito à dignidade, à comunicação, ao trabalho e à informação.
A decisão destaca que o público atingido é hipervulnerável, composto majoritariamente por pessoas de baixa renda, que têm acesso limitado ao crédito formal e um grande risco de inadimplência.
O TJDFT também pontuou que o bloqueio unilateral, sem autorização judicial ou notificação prévia, afronta o devido processo legal garantido pela Constituição Federal, e reconheceu que os juros cobrados por essas financeiras são abusivos.
As taxas muitas vezes chegavam a 18,5% ao mês, mais do que o dobro da média divulgada pelo Banco Central do Brasil, de 6,41%.
Para o Idec, a decisão é uma vitória incontestável contra a crueldade disfarçada de inovação.
Essa prática abusiva, usada pela SuperSim como chantagem digital contra pessoas endividadas e vulneráveis, é inaceitável em qualquer sociedade que se diga minimamente justa, disse o órgão em nota oficial.
Procurada, a SuperSim afirmou que irá recorrer da decisão do TJDFT. A SuperSim informa que irá recorrer da decisão e ressalta que sempre atuou em conformidade com a legislação bancária e consumerista. Além disso, segue firme em seu propósito de contribuir com a inclusão financeira das classes C e D, disse a empresa em nota oficial.
A Socinal não havia respondido às solicitações de contato até a publicação desta reportagem.
Brasil sobe para 3º no ranking de maiores juros reais do mundo, após nova alta da Selic; veja lista
Copom eleva Selic para 14,75% e FED mantém juros; Bruno Carazza comenta
Vai e volta
A batalha contra as práticas das duas financeiras por parte do MPDFT e do Idec já dura mais de dois anos — a primeira ação coletiva foi iniciada em novembro de 2022.
Na época, além de pedirem que a SuperSim e a Socinal deixassem de firmar contratos de empréstimos que exigissem o celular dos clientes como garantia e solicitarem uma regra para que as duas empresas não criassem algo semelhante no futuro, os dois órgãos também pediram a condenação por danos morais coletivos no valor de R$ 40 milhões.
A ação foi distribuída à 23ª vara cível de Brasília e, em decisão nacional publicada em julho de 2023, a juíza já havia dado uma determinação semelhante à vista nesta quinta-feira: proibiu que as financeiras bloqueassem o celular dos clientes e ordenou a retirada dos aplicativos das lojas virtuais, aplicando multas semelhantes para o descumprimento da decisão.
Segundo o coordenador jurídico do Idec, Christian Printes, as duas empresas apresentaram suas defesas e entraram com três recursos (pedidos formais para que a decisão fosse reavaliada), mas não obtiveram sucesso. A sentença apenas não condenou as companhias ao pagamento de dano moral coletivo.
Dessa decisão, Idec e MPDFT recorreram ao TJDFT para tentar garantir a condenação das empresas ao pagamento do dano moral coletivo. Em paralelo, a SuperSim recorreu para reverter a condenação e continuar ofertando os empréstimos com garantia de celular, conta.
Ainda segundo Printes, a SuperSim realizou um pedido ao desembargador Renato Rodovalho, da 2ª turma cível do TJDFT, relator do caso, para suspender os efeitos da sentença que a impossibilitava de oferecer contratos de empréstimo com garantia de celular — o que foi concedido em novembro de 2023.
O Idec e o MPDFT recorreram, então, da decisão que suspendeu os efeitos da sentença e aguardaram o julgamento. Agora, mesmo após a decisão tomada na véspera, as duas empresas ainda podem recorrer.