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Indígena do AC que foi capa de livro de Sebastião Salgado relembra visita de fotógrafo em aldeia: ‘Encontro de almas'


Yara Piyãko, de 21 anos, foi fotografada pelo profissional quando tinha 12 anos e foi uma das capas do livro fotográfico 'Amazônia'. Atualmente, ela é fotógrafa e também se inspira no trabalho de Salgado, que morreu nesta sexta-feira (23). Yara Piyanko guarda livro que recebeu de Sebastião Salgado que tem a foto dela na capa

Arquivo pessoal

"Ele conviveu com o povo Ashaninka, foi um ato importante, um encontro de almas com a preservação da vida, da cultura. Para a gente a convivência foi profunda, transformadora e que deixou raízes para toda vida"

É assim que a jovem Yara Piyãko, de 21 anos, descreve a passagem do fotografo Sebastião Salgado na Terra Indígena Kampa do Rio Amônia, em Marechal Thaumaturgo, no interior do Acre, há nove anos. Ela tinha 12 anos quando foi fotografada pelo profissional e a imagem fez parte da Exposição Amazônia, um dos principais trabalhos do ícone da fotografia que morreu nesta sexta-feira (23), aos 81 anos.

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A foto de Yara, inclusive, é uma das capas de um dos livros que reúne as fotos da expedição de Salgado no estado acreano. Ao g1 nesta sexta-feira (23), a indígena relembrou, com exclusividade, a chegada do fotografo à comunidade e o momento da foto.

"Ele chegou e conversou com as lideranças. Foi montada uma espécie de expedição para fazer fotos da nossa cultura e arte. Ele montou um estúdio para as pessoas pousarem, tirarem fotos das famílias e foram feitos retratos das grandes famílias do nosso povo. Ele ficou mais ou menos um mês aqui, então, fez muita foto", disse.

O fotógrafo esteve no Acre em 2016 visitando as terras indígenas e também recebeu o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Federal do Acre (Ufac). Ele passou sete anos viajando pela Amazônia fotografando as florestas, os rios, as montanhas e os indígenas da região.

Yara Piyãko foi fotografada por Sebastião Salgado aos 12 anos

Sebastião Salgado/Arquivo

Após as fotos das famílias, Yara recorda que alguns indígenas foram chamados a posar para as lentes de Salgado.

"Ele mandou eu olhar para a câmera. Estava olhando de um jeito e ele pediu para eu virar um pouco o rosto e olhar. Na época não sabia quem era ele, não sabia da importância. Não tínhamos muito acesso à internet, rede social e só descobri depois que cresci", explicou.

Yara Piyãko registra o dia a dia dos ashanikas em terra indígena do Acre

Yara Piyanko/Arquivo pessoal

Tornou-se fotógrafa

A experiência de Yara com a fotografia vai muito além da experiência de ter o olhar captado por um dos maiores profissionais da história. Ela viu na arte de eternizar momento uma oportunidade de ajudar seu povo e também se tornou uma fotógrafa.

'Tragédia para toda a Amazônia', diz fotógrafo Sebastião Salgado sobre construção de estrada dentro da Serra do Divisor

"Fizemos uma oficina com outro fotografo e sempre gostei de fotografia. Me tornei fotografa por necessidade do nosso povo. O pessoal tirava fotos do nosso povo e levava, então, não tínhamos acesso", contou.

A jovem revelou que uma das inspirações dela é o trabalho de Sebastião Salgado.

"Todo mundo tem um olhar diferente, entendo a importância dele, foi um grande amigo do nosso povo. Admiro muito o trabalho dele. É um orgulho ter sido fotografada por ele", relatou.

Jovem fotógrafa tem Sebastião Salgado como uma das inspirações

Yara Piyanko/Arquivo pessoal

Exposição

Em 2022, Yara esteve em São Paulo com um grupo de indígenas visitando a Exposição Amazônia, no Sesc Pompeia. Lá, ela reencontrou o fotógrafo e recebeu das mãos dele um dos livros com fotos da exposição.

"Ficamos bastante conhecidos por conta dessas fotografias, admiramos muito ele. Foi uma grande perda, ninguém sabia que ele estava doente. Soubemos por meio do jornal", destacou.

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A exposição contou com mais de 200 fotos impressas e outras 200 projetadas em salas escuras sobre a floresta e os povos indígenas. Entre elas, estão retratadas imagens dos povos indígenas Ashaninkas do Rio Amônia e na Terra Indígena Rio Gregório.

Em 2022, o fotógrafo descreveu como foi a experiência na Amazônia em um texto nas redes sociais e publicou, dentre outros registros, a foto de Yara. (Relembre acima)

“Seja vista do céu ou do chão, a Amazônia sempre me encheu de admiração. Nem palavras nem fotografias conseguem transmitir plenamente a sensação de estar diante da força e majestade absolutas da natureza. Igualmente inesquecível foi o sentimento de intimidade que experimentei ao passar semanas seguidas com diferentes tribos. Senti-me privilegiado por poder compartilhar seu tempo e espaço, primeiro aprendendo pacientemente a ser aceito, depois registrando silenciosamente suas vidas cotidianas. Assim, pude sentir e transmitir sua gentileza", disse.

Reveja a reportagem especial sobre o fotógrafo Sebastião Salgado

Morte de Sebastião Salgado

Nesta sexta-feira (23), o mundo foi surpreendido com a notícia da morte de Sebastião Salgado. A informação foi confirmada pelo Instituto Terra, organização não-governamental fundada por ele.

Ele tinha um distúrbio sanguíneo causado por malária, contraída na Indonésia, e não conseguiu tratar apropriadamente. Por isso, se aposentou do trabalho de campo em 2024, dizendo que seu corpo estava sentindo “os impactos de anos de trabalho em ambientes hostis e desafiadores”.

Salgado ficou famoso por fazer registros documentais impressionantes, como o da Serra Pelada na década de 1980; "Trabalhadores"; e o ensaio "Êxodos" mostrando povos migrantes pelo mundo. Ao todo, percorreu mais de 120 países.

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