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Museu que mantém viva história da produção e exportação do café no século XIX era senzala masculina em Jundiaí


Museu está localizado na Fazenda Nossa Senhora da Conceição, que foi uma das maiores produtoras e exportadoras de café no século XIX por meio de trabalho escravo. Hoje, a fazenda é local turístico e recebe visitantes de todo o país. Antiga senzala masculina se tornou o Museu do Café, na Fazenda Nossa Senhora da Conceição, em Jundiaí (SP)

Fazenda Nossa Senhora da Conceição/Divulgação

Cada estrada, pedra e tijolo de uma fazenda no interior de São Paulo guardam uma história triste e de sofrimento, mas de grande importância para a atividade cafeeira no país. A Fazenda Nossa Senhora da Conceição, também conhecida como a Fazenda do Café, foi uma das maiores produtoras e exportadoras de café no século XIX, porém, por meio de trabalho escravo.

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Localizada no bairro Mato Dentro, em Jundiaí (SP), a 69 quilômetros da capital, a fazenda que antes era coordenada pelo Barão de Serra Negra foi ressignificada e transformou-se em um ponto turístico e histórico, com a criação de animais, pousadas, passeios a cavalo e restaurantes.

No Dia Mundial do Café, comemorado nesta segunda-feira (14), o g1 conversou com um historiador, responsável pela equipe de educadores da fazenda, Juliano Martins da Fonte, de 44 anos, que contou como o local se desenvolveu no passado e como mudou no decorrer dos anos.

Fazenda Nossa Senhora da Conceição, em Jundiaí (SP), recebe visitas de turistas e excursões escolares

Fazenda Nossa Senhora da Conceição/Divulgação

"A fazenda foi fundada em 1810. No começo, ela era uma produtora de cana, o café ainda estava começando a se expandir para o interior paulista e a principal atividade, até então, era a cana. A partir de 1850, mais ou menos no início dessa década é que o café começa a se expandir para o interior paulista por causa da queda lá no Vale do Paraíba, por inúmeros fatores como esgotamento do solo e por aí vai", explicou Juliano.

Segundo o historiador, quando a produção começou a se expandir para o interior, a Fazenda Nossa Senhora da Conceição substituiu a cultura da cana, pela do café, negócio administrado pelo Barão de Serra Negra.

Barão da Serra Negra e a Baronesa Gertrudes Eufrosina da Rocha

Brazil Imperial/Reprodução

O nome do Barão era Francisco José da Conceição, que nasceu na Vila de Serra Negra, em Piracicaba (SP). Era filho de portugueses e um comerciante influente da época, que possuía pelo menos dez fazendas no interior paulista. Ele também tinha contato com Dom Pedro II e até recebeu a visita da Princesa Isabel na Fazenda do Café.

"Ele (Barão) morava lá em Piracicaba, mas quando comprou a Fazenda Nossa Senhora da Conceição começou a construção da casa sede, porque a atividade de café e cultura exigia um trabalho mais próximo do que o da cana. Na fazenda, ele teve dez filhos, sendo seis homens e quatro mulheres, inclusive, um dos filhos cuidava da fazenda para o Barão", explicou.

Casa sede do Barão da Serra Negra foi contruída para acompanhar o trabalho dep rodução de café em Jundiaí (SP)

Fazenda Nossa Senhora da Conceição/Divulgação

Trabalho escravo e imigrantes italianos

Museu do Café, está localizado na FAzenda Nossa Senhora da Conceição em Jundiaí (SP)

Fazenda Nossa Senhora da Conceição/Divulgação

Hoje, a construção que servia de moradia para os escravos que trabalhavam nos cafezais abriga o Museu do Café, que possui um grande acervo de documentos, fotos e itens do século XIX, todos conservados e expostos pelo espaço.

Na época, segundo Juliano, os escravos precisavam lidar com aproximadamente 350 mil pés plantados.

"Era utilizada mão de obra escrava, o Barão tinha muitos escravos. Na fazenda Nossa Senhora da Conceição calculam-se 108. A maior parte deles na produção do café, a outra parte eram os escravos que serviam a família, escravos domésticos", contou Juliano.

"Depois acabou sendo mão de obra livre, né? Não tinham muitas técnicas agrícolas, muita tecnologia envolvida. Tinha a tecnologia da época, mas de maneira bem rudimentar mesmo. Por exemplo, a gente pode falar que envolveu muito trabalho, porque era bem mais difícil do que a gente encontra hoje em dia na agricultura", acrescentou o historiador.

Com a chegada das leis abolicionistas e a escravidão se aproximando do fim, a fazenda investiu na imigração para substituição de mão de obra, principalmente na imigração italiana. Foi então que uma grande quantidade de imigrantes italianos veio para trabalhar no interior paulista, em um trabalho concomitante entre os escravos.

Após o fim da escravidão, houve uma miscigenação na região e escravos e imigrantes acabaram se casando e formando famílias na fazenda.

Fazenda Nossa Senhora da Conceição, em Jundiaí (SP), possui um museu dedicado à história do cultivo de café na região

Fazenda Nossa Senhora da Conceição/Divulgação

Investimentos do Barão

O Barão da Serra Negra investiu na produção de diversos tipos de café, e a maioria se adaptou bem ao solo do interior paulista. Os mais cultivados eram os arábicos e os canephora.

"Alguns que se adaptaram bem ao solo daqui eram o maragogype, o catuaí, o bourbon amarelo, o bourbon vermelho, o mundo novo, todas espécies de arábicas aí, se adaptaram bem à região", contou o historiador.

Segundo Juliano, o Barão da Serra Negra deixou algumas contribuições em relação a financiamentos no Império, uma vez que era amigo de Dom Pedro II, o último monarca do Império no Brasil.

"A contribuição dele para o Império era de maneira geral. Teve financiamento também da campanha do Brasil. Na Guerra do Paraguai, em algumas ferrovias, mas não é possível afirmar quais delas", destacou.

Fazenda continua plantando café, porém, em menor escala, em Jundiaí (SP)

Fazenda Nossa Senhora da Conceição/Divulgação

De café para uva

Depois da mudança de produção de cana para o café, a fazenda precisou passar por mais uma alteração ao final da década de 1920. Até então, a fazenda tinha como exclusividade a produção do café, mas por causa da quebra da bolsa de valores na crise de 29, quando o mundo deixou de comprar produtos considerados supérfluos, como o café.

Angelina Conceição administrava a fazenda neste período. Ela era casada com José Conceição, filho do Barão, e aproveitou a mão de obra dos imigrantes para conhecer mais sobre sua cultura, especialmente com a uva.

Fazenda do Café, emJundiaí (SP), foi uma das maiores produtoras e exportadoras de café no século XIX

Fazenda Nossa Senhora da Conceição/Divulgação

"Na verdade ela não parou de plantar o café, mas diminuiu drasticamente a produção. Não comercializava mais o café em grande escala e ela começou a produzir vinho, tendo em vista a experiência dos imigrantes italianos. Na década de 1940, mais ou menos, a fazenda até ganhou uma notoriedade no cenário nacional na comercialização de vinhos", contou Juliano.

Quando a Angelina morreu, os filhos dela retornaram a monocultura do café, de volta ao mercado do café pelas décadas de 1980 e 1990. Atualmente, segundo o historiador da fazenda, o local continua produzindo café, mas em uma escala bem menor.

"Ainda tem uma produção pequena, que é para o café que é consumido lá na própria fazenda e também é vendido para os visitantes. A fazenda não comercializa mais com outros lugares, somente com quem vai visitar, pois tem uma loja em que é vendido nosso café", pontuou.

Fazenda Nossa Senhora da Conceição, em Jundiaí (SP), ainda vende café, porém, para visitantes

Fazenda Nossa Senhora da Conceição/Divulgação

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