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Oásis suspensos


Erva-de-passarinho Comandra umbellata, pertencente à família Santaláceas

Norbert Kondla / iNaturalist

As relações entre os seres vivos sempre são intrigantes. Quanto mais observamos os comportamentos de diferentes espécies, mais temos certeza que a palavra dependência é uma constante em todas as relações.

As conexões entre os seres muitas vezes são evidentes, outras, nem tanto. Basta estar vivo para ser dependente de algo. Nada que viva consegue sobreviver de forma independente. Só nós, humanos, embora sabedores das dependências, fingimos não ver quanto é essencial manter a vida nas mais diversas formas.

O observador de aves Amaury Pimenta capturou o momento exato em que um macho de tangarazinho regurgitava uma semente de erva-de-passarinho

Amaury Pimenta

Escrevi uma vez sobre a erva-de-passarinho, uma interessante estratégia de várias aves para garantir alimento no inverno. Como nós raramente nos lembramos de diversificar as árvores das cidades a fim de garantir alimentos para as aves durante todo o ano, elas se encarregam de plantar jardins suspensos em nossas árvores. Para nós, esses jardins são pragas; para os passarinhos, verdadeiros restaurantes.

Se a erva-de-passarinho beneficia apenas as aves, esse “plantio” pode parecer uma estratégia de sobrevivência egoísta, embora justa. No entanto, quando reparamos no trabalho das aves como operários da mata, colecionamos exemplos de bons serviços a diversas espécies. Vamos falar de saíras e bromélias. Mais do que falar de passarinhos coloridos e de belíssimas plantas ornamentais, vamos conhecer mais uma das importantes relações entre seres vivos.

Bromélia Aechmea gamosepala, do gênero Aechmea

skvorpahl / iNaturalist

Nas florestas, no período da seca – ou seja, no inverno –, as bromélias se tornam verdadeiras cisternas. São reservatórios de água para garantir a sobrevivência de inúmeras espécies, seres microscópicos, pequenas pererecas, cobras, aves e mamíferos como o quati e os macacos. As bromélias conseguem reservar a água da chuva em seu interior e, mesmo quando não chove, captam o orvalho que escorre para a base das folhas, onde a água fica armazenada, à disposição de diversos animais para matar a sede.

Muitos desses reservatórios são plantados no alto das árvores pelas saíras. O engenheiro agrônomo Orlando Graeff conta que, ao se alimentarem dos frutinhos de bromélias, as saíras limpam seus bicos em galhos de árvores ou eliminam sementes nas fezes, “plantando” dessa forma seus jardins suspensos na mata. “Bromélias dos gêneros Aechmea, Nidularium, Billbergia e Neoregelia garantem frutinhos a diversas aves”, afirma. E, com certeza, tornam-se oásis nos períodos mais secos.

Agora vejamos: do nosso ponto de vista as bromélias são apenas plantas ornamentais e por acumularem água tornam-se potenciais criadouros do mosquito da dengue, entre outros, ameaçando nossa saúde. Já vi, inclusive, campanhas orientando a retirada de bromélias nos jardins.

Mais uma vez, a nossa visão é extremamente egoísta. Talvez você diga que medidas para eliminar os possíveis criadouros de mosquito da dengue sejam mais necessárias que o capricho de manter bromélias nos jardins. Mas pouca gente sabe que é possível fazer as duas coisas: basta colocar uma colherzinha de borra de café na água acumulada nas bromélias para que nenhum mosquito da dengue encontre condições ideais de reprodução.

Saíra-pintor tem nome científico que significa dançarino orgulhoso

Rudimar Narciso Cipriani/Acervo Pessoal

As saíras ao “plantarem” bromélias na mata beneficiam inúmeras espécies. Mais um bom exemplo de como a diversidade nunca se afasta da unidade do todo. Os seres vivos não apenas dependem, mas cooperam uns com os outros. Essa cooperação pode não ser intencional, mas é natural e real. Nós, humanos, na maioria das vezes agimos apenas carregados de intenções. Algumas são legítimas e boas; outras, egoístas e pouco louváveis.

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Penso que os exemplos da natureza sejam um convite a tomarmos atitudes sem intenções boas ou más, simplesmente atitudes naturais. Cultivar uma planta que produza alimentos para as aves é uma dessas atitudes, um gesto de cooperação com a vida. E quando você notar outros seres beneficiando-se da sua atitude, encare como uma consequência natural. Afinal, quem semeia vida não pode colher outra coisa.

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