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Rio tem alta de 702% de acidentes com veículos de micromobilidade, como patinetes e ciclomotores


Acidentes passaram de 274 em 2023 para 2.199 em 2024. O aumento coincide com o período de aprovação da resolução do Contran, que tratou das diferentes categorias de veículos de micromobilidade. g1 traz série de reportagens sobre micromobilidade no Rio neste fim de semana. Os hospitais da rede municipal do Rio de Janeiro registraram, em 1 ano, um aumento de 702% no número de atendimentos a pacientes envolvidos em acidentes com veículos de micromobilidade, como patinetes elétricos, autopropelidos, ciclomotores e outros veículos urbanos leves.

O levantamento é da Comissão de Segurança no Ciclismo do RJ, com base em dados da Secretaria Municipal de Saúde obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI). O total de ocorrências saltou de 274 em 2023 para 2.199 em 2024. Esse número não considera os acidentes envolvendo ciclistas.

As ciclovias e ruas cariocas têm sofrido com a falta de respeito a regras, que colocam em risco usuários e pedestres. É o que o g1 mostra neste fim de semana. Você vai ver, além da disparada de acidentes, problemas de fiscalização, entrave burocrático para multar infratores e a história de uma aposentada atropelada por um patinete na contramão.

Bicicletas, autopropelidos, ciclomotores: saiba diferenciar as categorias

➡️ O que é micromobilidade? Trata-se do uso de meios de transporte leves e individuais. Entre eles, estão as bicicletas elétricas (com motor auxiliar, mas sem acelerador, só com pedal), os veículos autopropelidos (patinetes e bicicletas elétricas com acelerador, com ou sem pedal) e os ciclomotores (maiores, mais potentes, que exigem emplacamento e carteira de habilitação). Estes últimos não podem circular nas ciclovias.

Aumento de 702% no total de atendimentos de pacientes envolvidos em acidentes com veículos de micromobilidade, como patinetes elétricos, autopropelidos, ciclomotores e outros veículos urbanos leves.

Arte g1 / Bruna Azevedo

Independente dos problemas, a micromobilidade apresenta diversos pontos positivos cruciais para o desenvolvimento de uma cidade e a melhor qualidade de vida de seus moradores. Todos esses novos veículos leves são alternativas eficientes e de baixo carbono aos veículos particulares, especialmente para deslocamentos urbanos de curta distância, como destaca Danielle Hoppe, Gerente de Mobilidade Ativa do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP).

"Os carros ocupam entre 60% e 70% do espaço público de uma cidade. É desproporcional o espaço que um carro ocupa para transportar uma pessoa de 70 kg. Não faz sentido a maneira que utilizamos o carro hoje em dia", comentou Danielle Hoppe.

Segundo dados da Agência Internacional de Energia, apenas os carros particulares e vans são responsáveis por 10% de todas as emissões de CO2 do planeta. E a questão ambiental não é a única vantagem do sistema. De acordo com o ITDP, entre as vantagens de um sistema de micromobilidade bem aplicado estão:

Expansão da área urbana que pode ser alcançada sem a necessidade de um automóvel;

diminuição das emissões de gases de efeito estufa;

melhora da qualidade do ar e da saúde geral da população, reduzindo a poluição;

redução do fluxo de trânsito e maior eficiência do transporte, aumentando a diversificação das opções disponíveis para as pessoas;

redução do tempo de deslocamento diário;

maior facilidade para trabalhadores de serviços de entrega;

‘Crescimento absurdo de casos’

O crescimento no número de acidentes também foi notado nos hospitais particulares do Rio. Segundo o coordenador médico da emergência do Hospital Glória D’Or, Pedro Rothman, na unidade subiu em 50% o número de atendimentos de feridos em acidentes com veículos leves.

“As lesões mais comuns, felizmente, são menos graves e consistem em escoriações. Porém, quedas em alta velocidade ou colisões podem levar a lesões muito graves, como traumatismo cranioencefálico, traumas na medula espinhal e traumas torácicos. Algumas podem até levar o paciente à morte”, comentou Rothman.

Especialistas associam o aumento ao uso cada vez mais comuns desses veículos leves e à falta de fiscalização por parte da Prefeitura do Rio.

Vivi Zampieri, gestora de Mobilidade Ativa da Comissão de Segurança no Ciclismo do Rio, destaca o número de acidentes envolvendo apenas bicicletas comuns, sem motor. Segundo o estudo da comissão, em 2023 foram 1.876 atendimentos de acidentes com ciclistas na rede de saúde do Rio. Em 2024, esse número teve uma leve redução, caindo para 1.721.

“O número de acidentes de bicicletas segue em um patamar alto, mas sem grandes oscilações. Já na categoria ‘outros’, onde entram os ciclomotores e autopropelidos, você percebe uma explosão de casos a partir da Resolução 996 do Contran. É um crescimento absurdo de casos”, comentou Vivi.

Condutor de ciclomotor atravessa a rua na Zona Sul sem capacete

Raoni Alves / g1 Rio

Resolução nacional impulsionou as vendas

Segundo Vivi, o aumento nos acidentes coincide com a aprovação, em julho de 2023, da Resolução 996 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), que estabeleceu regras para cada categoria de veículo de micromobilidade.

A medida proporcionou segurança jurídica para lojistas e consumidores, impulsionando as vendas. Dados da Aliança Bike mostram que as importações de veículos elétricos de micromobilidade subiram de 19.875 unidades em 2022 para 139.417 em 2023.

A Aliança Bike aponta para a chegada de 200 mil novas unidades de veículos elétricos e autopropelidos em 2024, considerando tanto veículos importados quanto produzidos pela indústria nacional.

Vivi Zampieri acredita que a legislação federal, ao invés de solucionar, gerou mais dúvidas e facilitou a comercialização sem as devidas orientações.

Acidentes envolvendo veículos de micromobilidade, como patinetes e bicicletas elétricas, sobem 702% no Rio

Raoni Alves / g1 Rio

Rio sem regulamentação

Apesar de a Resolução 996 detalhar os diferentes tipos de veículos, estabelecer onde cada um deles pode circular, impor os limites de velocidade e prever as infrações, a vigilância dessas regras e a aplicação das multas ficaram a cargo das prefeituras.

Em junho de 2024, a Câmara Municipal do Rio aprovou um projeto de lei para regulamentar o uso desses veículos. A norma definia responsabilidades de fiscalização e punições para infrações.

Contudo, sua aplicação depende de regulamentação por parte do prefeito Eduardo Paes (PSD), o que ainda não ocorreu.

“Como não há regulamentação para aplicação de penalidade de multa, os guardas municipais atuam na orientação para uma condução segura para os usuários e as demais pessoas”, informou a Prefeitura do Rio ao g1.

Crianças conduzem patinete elétrico na orla de Copacabana na noite de domingo (30).

Raoni Alves / g1 Rio

Faltam conscientização e educação

O vereador Pedro Duarte (Novo) se diz um assíduo usuário das ciclovias cariocas e defende a necessidade de regulamentação, mas ressalta que a etapa anterior à fiscalização deve ser a conscientização.

“Qual é a velocidade permitida na ciclovia da Praia de Copacabana? Não tem como saber, não há placas. A gente parte do princípio de que o carioca vai desrespeitar a lei, mas acredito que a maioria respeita — desde que saiba qual é a regra”, comentou.

“Eu não sou contra fiscalizar, até porque tem gente que não segue a lei mesmo. Mas eu acho que 80% só precisam saber o que pode ser feito, que vão seguir a lei. Falta informação. Você vai na orla e não tem uma placa”, completou o vereador.

Para tentar reduzir o número de acidentes na orla e organizar um pouco mais as ciclovias da Zona Sul, Pedro Duarte pediu à Prefeitura do Rio que fosse criada uma faixa exclusiva para bicicletas, patins e corredores nas áreas de lazer das vias fechadas aos domingos e feriados. A ideia é evitar o grande número de usuários nas vias mais estreitas.

A ideia defendida pelo vereador é separar umas das três pistas da área de lazer só para ciclistas e condutores dos veículos mais rápidos, semelhante ao que já ocorre na Avenida Paulista, em São Paulo. Até o momento, a prefeitura não se manifestou.

Cadu Souza, diretor de operações da Whoosh, empresa que oferece o serviço de patinete elétrico compartilhado, com mais de 400 mil usuários na cidade, também reforça a importância da educação do usuário.

“A pedra fundamental da utilização de qualquer ferramenta de micromobilidade é a educação do usuário. A gente não consegue fiscalizar 24 horas por dia”, comentou Cadu.

Durante um evento na Praça Mauá, onde a empresa deu treinamento gratuito para cariocas e turistas sobre as regras para a operação segura dos veículos, além de informar as normas de trânsito, Cadu reforçou orientações importantes, como não dirigir após consumir bebida alcóolica ou andar com duas pessoas em um patinete. Ele também lembrou que somente maiores de 18 anos podem andar no veículo.

“É fundamental que o usuário seja consciente de como ele tem que usar essa ferramenta. Nós temos regras muito claras de utilização. Quando a gente identifica o usuário usando o patinete acompanhado, a gente emite uma advertência no próprio aplicativo. Na 3ª vez, ele perde o acesso ao aplicativo. O usuário é bloqueado e não pode mais alugar o patinete”, explicou o representante da Whoosh.

“A gente tem hoje no Brasil mais de 20 mil usuários bloqueados. Para nós é muito mais importante bloquear um usuário para evitar um problema de segurança do que se preocupar em perder a receita de um usuário”, reforçou Cadu.

Veja as principais regras para andar de patinete no Rio

Bruna Azevedo / Arte g1

Pedestres com medo

A equipe do g1 esteve na orla de Copacabana e Ipanema no último domingo de março. No local, a grande maioria dos usuários de patinetes elétricos andava carregando outra pessoa. Crianças também foram flagradas conduzindo e carregando outras crianças no patinete.

Além dessa infração, ciclomotores circulavam pelas ciclovias sem a menor repressão. A falta de fiscalização também não impediu condutores imprudentes que colocavam em risco outras pessoas.

“Eu tenho observado vários acidentes aqui mesmo na orla, aos domingos, quando as pessoas caminham. Já vi alguns acidentes com pessoas idosas porque existe uma falta de respeito generalizado”, comentou Lairton Mattos.

Já o carioca André Moreira, de 53 anos, aponta que falta fiscalização das autoridades. “O que a gente vê é que não tem controle. A pessoa se quiser andar de bicicleta ou de moto na velocidade que quiser não tem controle nenhum”.

“Você tem que educar, mas no curto prazo não resolve. Eu acho que tem que ter educação com fiscalização. Sem fiscalização não resolve”, comentou André.

Lucia Romão, de 51 anos, disse que não se sente segura andando nas ruas que são fechadas como área de lazer nos finais de semana por conta da imprudência de quem anda nos ciclomotores e autopropelidos.

“Não me sinto nem um pouco segura. Eles poderiam andar um pouco mais lento, daria mais espaço para todos. Acho que seria bem melhor porque não haveria tantos acidentes”, comentou.

Faixa pede redução de velocidade de condutores

Divulgação CET-Rio

Apesar de indicar que falta fiscalização, André Moreira lembrou da importância de campanhas educativas. Ele citou o vídeo gravado pelo prefeito Eduardo Paes cobrando o cumprimento da lei que impede caixas de som tocando músicas na praia. Segundo ele, esse tipo de inciativa tem forte poder de comunicação e conscientização.

“Quando o Eduardo Paes apareceu naquele vídeo na praia e abordou uma pessoa que estava com caixa de som alta, você vê que teve efeito. Praticamente acabou esse problema porque houve uma divulgação avisando sobre a regra e isso teve efeito. Tem que fazer uma coisa parecida com as bicicletas elétricas”, orientou André.

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