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Sede e espera: o drama da falta de água para famílias indígenas em uma das maiores reservas do Brasil


O relato da comunidade é que o sonho de ter água encanada e limpa ainda parece distante. Enquanto as soluções se arrastam, a comunidade segue resistindo, um balde de cada vez. Indígenas de Dourados seguem com falta d'água, apesar de medidas de urgência

Há quatro meses, um acordo feito pelo Ministério dos Povos Indígenas (MPI) prometia dois novos poços para as aldeias Bororó e Jaguapiru, em Dourados (MS), que compõem uma das maiores reservas urbanas de povos originários do Brasil. A captação de 15 mil litros de água por hora do lençol freático era a esperança de um futuro melhor para as comunidades das aldeias, porém a realidade atual é outra.

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A construção dos dutos que ligariam os poços à rede existente ainda não foi iniciada. A demanda, que já era considerada importante, tornou-se uma medida de extrema urgência para as famílias, que chegaram a ficar até duas semanas sem abastecimento de água.

"Nós precisamos de água para hoje, para amanhã", desabafa Osvaldo Lemes, membro da Comissão da Água.

Família na comunidade recorre a riachos para terem acesso à água.

TV Morena/Reprodução

O apelo é claro: a comunidade não pode esperar. "Queria ter uma torneira, água limpa e um chuveiro para as minhas crianças tomarem banho", diz Samanta Severino Ricarte, mãe e auxiliar de produção, que precisa tomar banho no córrego.

“15h tenho que trabalhar e volto 3h da manhã, durmo mais ou menos meia hora e já tenho que me preocupar para colocar água nos baldes [...] É difícil porque a gente tem que se preocupar para não faltar comida em casa e agora também para ter água, porque se eu não levantar para correr e fazer minhas coisas para ter água em casa, eu não tenho", explicou.

A família de Samanta vive em uma área mais isolada. A reserva indígena é formada por duas aldeias, Bororó e Jaguapiru. O território é de 3,5 mil hectares, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e, do outro lado, perto das estradas, a situação não é muito diferente.

Arte g1

Eliane mora com o marido e sete filhos. A dona de casa contou que recebeu uma caixa d’água, mas o abastecimento tá longe de ser o suficiente e que a família já ficou até duas semanas sem uma gota d’água.

"Teve um dia que saí e já estava há uns três dias sem água. Aí cheguei ali na vizinha, pedi pra ela um pouco de gelo e água. Quando cheguei em casa, as crianças correram e falaram: ‘Graças a Deus a senhora trouxe água! Tô tão fraco porque não bebi água.’ Pegaram a água como se fosse a melhor coisa do mundo. Fiquei olhando e fiquei muito triste, porque minha caixa estava vazia, estava sem água", relatou.

A mãe contou que avisou o conselho que não tem condições de mandar as crianças para a escola por causa da falta de água. "Não tem como ir na escola, como que vão sujo? Os outros que estão grande também falam que não vão pra escola sem tomar banho. Não tem como ir”.

Caminhões-pipa da Defesa Civil Estadual da Saúde indígena fazem o possível, com oito viagens diárias, mas o abastecimento é insuficiente para atender a mais de 13,4 mil indígenas.

A rede existente, com 25 anos, não suporta a demanda. Giovane Ricarte, que cresceu sem água, vive o mesmo ciclo: "Se eu não armazenar de manhã, à tarde já não tem".

O relato da comunidade é que o sonho de ter água encanada e limpa ainda parece distante. Enquanto as soluções se arrastam, a comunidade segue resistindo — um balde de cada vez.

O g1 questionou ao Ministérios dos Povos Indígenas (MPI) sobre a falta de solução e demora para implementação dos poços, na reserva de Dourados, mas não foi respondido até a publicação desta reportagem.

Entenda o acordo

Em novembro de 2024, o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) anunciou a destinação de R$ 2 milhões de forma imediata para a construção de dois super poços de água potável nas Aldeias Bororó e Jaguapiru, situadas entre Dourados e Itaporã, onde vivem povos Guarani Kaiowá e Terena.

A medida foi tomada após indígenas ocuparem a MS-156 em forma de protesto devido à grave falta de água potável nas aldeias da região e entrarem em confronto com policiais do Batalhão de Choque. À época, três indígenas foram hospitalizadas.

À época, o MPI disse ter acompanhado a situação de Dourados e considerou inadmissível e desproporcional o uso da força contra os indígenas que se manifestavam em reivindicação ao abastecimento de água potável.

"Nos territórios indígenas, o direito à água e ao saneamento é garantido pelo Governo Federal sob a competência da Secretaria de Saúde Indígena (SESAI), do Ministério da Saúde, mas o Ministério dos Povos Indígenas tem trabalhado fortemente nas articulações com este e outros órgãos para avançar em medidas estruturantes com foco no abastecimento nas aldeias de todo o país", aponta a publicação.

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